Por: Rodrigo Fonseca | Especial para o Correio da Manhã

Tem Brasil na Quinzena de Cannes

Inspirado pela sabedoria de Davi Kopenawa, 'A Queda do Céu' integra a vitrine da Quinezena de Cineastas | Foto: Divulgação

 

Com raízes fincadas no livro homônimo do xamã Davi Kopenawa e do antropólogo Bruce Albert, o experimento documental "A Queda do Céu", de Gabriela Carneiro da Cunha e Eryk Rocha, vai representar o Brasil na Quinzena de Cineastas do 77º Festival de Cannes (14 a 25 de maio). A mostra rola paralelamente à competição oficial pela Palma de Ouro e, este ano, terá um prêmio especial de júri popular.

Editado pelo bamba da montagem Renato Vallone, o filme é centrado na festa Reahu, ritual funerário e a mais importante cerimônia dos povos Yanomami, que reúne centenas de parentes dos mortos com a finalidade de apagar todos os rastros daquele que se foi e assim colocá-lo em esquecimento.

A partir de três eixos fundamentais do livro (Convite, Diagnóstico e Alerta), o longa apresenta a cosmologia do povo Yanomami, o mundo dos espíritos Xapiri, o trabalho dos xamãs para segurar o céu e curar o mundo das doenças produzidas pelos não-indígenas, o garimpo ilegal e o cerco promovido pelo povo da mercadoria e a vingança da Terra. "'A Queda do Céu' é a expressão cinematográfica do arrebatamento que tivemos ao ler o livro, mas principalmente da nossa relação e do que foi vivido em carne, osso e espírito ao longo dos últimos sete anos ao lado de Davi, Watoriki e os Yanomami", diz Gabriela, também atriz. "É um filme aonde a câmera não olha só para os Yanomami, mas para nós não indígenas também. E isso sempre foi um fundamento do filme tanto para mim quanto para Eryk. Trabalhamos para fazer um filme que expressasse a materialidade onírica de uma relação".

Filho de Glauber Rocha (que foi laureado na Croisette, há 55 anos, com a Melhor Direção por "O Dragão da Maldade Contra o Santo Guerreiro"), Eryk regressa a Cannes oito anos depois de ter saído de lá com o troféi L'Oeil d'Or (a Palma dos filmes documentais) por "Cinema Novo" (2016). Há 20 anos, ele esteve lá também com o curta "Quimera", codirigido por Tunga. "Uma alegria imensa retornar ao festival. Agora, com a 'A Queda do Céu' na Quinzena de Cineastas, será uma belíssima oportunidade e uma dupla celebração: de ver e ouvir explodir na tela o sonho e a luta do povo Yanomami e da força poética e geopolítica do xamã, filósofo e líder Davi Kopenawa. Celebra-se ainda a chance de acompanhar a trajetória de um cinema em que acreditamos e que está fora dos modismos e das convenções. Um cinema sem fórmulas, que navega no desconhecido, que transita entre a materialidade e o espírito e cuja linguagem surge da nossa relação com os Yanomamis e a comunidade de Watoriki, e que nasce, também, do nosso encontro com artistas Yanomamis que participaram criativamente da realização deste filme", comenta Eryk.

Vai ter filme brasileiro também na Semana da Crítica, outra vitrine paralela à briga pela Palma dourada: "Baby", do mineiro Marcelo Caetano (de "Corpo Elétrico"). É uma trama sobre resiliência. Logo após ser liberado de um Centro de Detenção para jovens, Wellington (João Pedro Mariano) se vê à deriva nas ruas de São Paulo. Durante uma visita a um cinema pornô, ele conhece Ronaldo (Ricardo Teodoro), um garoto de programa, que lhe ensina novas formas de sobreviver. Aos poucos, a relação dos dois se transforma em uma paixão cheia de conflitos, entre a exploração e a proteção, o ciúme e a cumplicidade.

Todo ano a Quinzena sedia a entrega de um troféu honorário, chamado Carroça de Ouro. Este ano, a honraria será entregue à diretora inglesa Andrea Arnold. Ela ganhou no Oscar de Melhor Curta Live Cation, em 2005, com "Wasp", e recebeu o Prêmio do Júri da Croisette nas três vezes em que disputou a Palma, sendo laureada por "Docinho da América" (2016), "Aquário" (2009) e "Marcas da Vida" (2006).

Aos 63 anos, ela concorre de novo este ano, com o esperado "Bird". Antes dela, a Carroça dourada de Cannes, criada em 2002 e batizada em homenagem ao título francês de um cult de Jean Renoir (1894-1979) de 1952 ("Le Carrosse d'Or"), foi dada a Clint Eastwood, Nanni Moretti, Ousmane Sembène, David Cronenberg, Jim Jarmusch, Naomi Kawase, Agnès Varda, Jafar Panahi, Jane Campion, Jia Zhangke, Martin Scorsese, John Carpenter, Frederick Wiseman, Kelly Reichardt e Souleymane Cissé.

Novos filmes brasileiros podem ser anunciados nos próximos dias conforme Cannes finaliza os anúncios de sua programação integral.

 

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