Por: Rodrigo Fonseca | Especial para o Correio da Manhã

Até o Capitão Nascimento aplaudiria 'Guerra Civil'

Wagner Moura integra o elenco de 'Guerra Civil' | Foto: Diamond Films

Pingando sangue, ao retratar uma América fraturada, "Guerra Civil" ("Civil War") ocupa o primeiro lugar nas bilheterias dos EUA, com uma receita de US$ 25 milhões, e periga repetir o feito mundo adentro - inclusive no Brasil, onde estreia hoje - ampliando a popularidade de Wagner Moura. O intérprete do Capitão Nascimento tem um dos papéis principais do thriller político dirigido pelo escritor inglês Alex Garland, que ganhou notoriedade primeiro pela via da literatura, em 1996, ao lançar "A Praia" - filmado em 2020, com Leonardo DiCaprio.

Ele dá a Wagner o papel de um ambicioso jornalista, Joel, que cruza os EUA tentando entrevistar o presidente num amanhã distópico em que a Casa Branca ruiu. É um dos grandes papéis do astro baiano, que hoje ocupa a streaminguesfera em múltiplas latitudes, a começar por sua incursão no posto de cineasta: "Marighella".

Lançado na Berlinale, em 2019, o filme estreou em 2021, depois de passar por mil pressões no governo Bolsonaro, e virou um sucesso de público e crítica em meio à pandemia. É possível vê-lo na Globoplay, onde sucessos do passado de Wagner estão disponíveis. É o caso de "Deus É Brasileiro" (2000), um blockbuster de Cacá Diegues no qual ele vive o malandro Taoca, que vira guia do Todo-Poderoso (Antonio Fagundes) em sua passagem pela Terra. Na mesma plataforma é possível vê-lo em "Saneamento Básico" (2007), de Jorge Furtado, integrando uma trupe de cinema amadora no Sul do Brasil.

Ainda no streaming da Globo está "Praia do Futuro" (2014), que concorreu ao Urso de Ouro do Festival de Berlim há dez anos. Sob a direção de Karim Aïnouz, Wagner encarna um salva-vidas do Ceará que larga tudo e parte para Berlim a fim de viver um grande amor.

Globoplay e Netflix trazem Wagner no elenco central de "Cidade Baixa", que conquistou o troféu Redentor de Melhor Filme na Première Brasil do Festival do Rio em 2005. Na ocasião, Alice Braga ganhou o troféu de Melhor Atriz, estrelando um triângulo amoroso no submundo da Bahia, onde ela vive uma garota de programa disputada por dois amigos fidelíssimos: um boxeador, Deco (Lázaro Ramos), e o assaltante Naldinho (Wagner Moura pré Capitão Nascimento). A produção conquistou ainda o Prêmio da Juventude em Cannes.

Ainda na Netflix, além de "Tropa de Elite" (Urso de Ouro de 2008), com o Capitão Nascimento no auge de sua crise de pânico, mata-se a saudade de Wagner em "Carandiru" (2003), de Hector Babenco (1946-2016). Lá também é possível ver "A Busca", prêmio de júri popular no Festival do Rio de 2012; "Wasp Network: Rede de Espiões" (2019); de Olivier Assayas; e "Sergio" (2020), de Greg Barker.

Já na Amazon Prime é possível escutar a voz de Wagner em duas animações: "Meu Tio José", longa da Bahia, e o fenômeno de bilheteria hollywoodiano "Gato de Botas 2: O Último Pedido".

 

CRÍTICA CINEMA - GUERRA CIVIL: Aconteceu, virou manchete

'Guerra Civil' é um dos trabalhos de maior pujança dw Wagner Moura fora e dentro do Brasil. É sua melhor atuação desde o Capitão Nascimento, de 'Tropa de Elite' | Foto: Diamond Films

Desencanado da obrigação de contextualizar a plateia acerca do episódio sintetizado em seu título, "Guerra Civil" assume que há um racha nos EUA, mas não explica hora alguma o que levou aquele país ao colapso. Não se sabe quem guerreia contra quem e o presidente, vivido por Nick Offerman, também não elucida dúvidas, preferindo bradar ódio, anunciando uma retaliação que não chega. Tem pessoas armadas em lados opostos das ruas, em barricadas. O motivo é um enigma, mas há uma secessão. É uma distopia, um futuro torto. Mas não lhe sobra espaço para um fiapo sequer de fantasia. Tudo é de realismo áspero, como vem sendo comum nos filmes do cineasta Alex Garland, um diretor autor. "Men" (2022) e "Ex-Machina" (2015) são tratados de sua descrença (aparente) na capacidade humana de superar delitos e vaidades. Não por acaso, o time de protagonistas, uma esquadra de jornalistas, passa a léguas do heroísmo, apesar de rasgos de coragem que passam pela necessidade de sobrevivência.

São repórteres de diferentes graus de experiência, sendo a fotojornalista Lee (Kristen Dunst) a que mais tem vivência in loco em zonas de conflito. É uma figura amarga, que não cuida de sua aparência, devotada à ideia de registrar a brutalidade dos combates que ceifam vidas. Seu esteio é sábio produtor de reportagem, Sammy, vivido por um inspirado Stephen McKinley Henderson, responsável pela sequência mais catártica do longa. Há uma fotógrafa ainda iniciante, Jesse (Cailee Spaeny). Por fim, há ainda o abutre, aquele profissional obcecado pela notícia a qualquer custo, que se jubila ao ver brutalidades, por saber que ali há um furo: Joel, figura controversa que Wagner Moura é capaz de humanizar. É um dos trabalhos de maior pujança do ator baiano, fora e dentro do Brasil. É sua melhor atuação - de longe! - desde o Capitão Nascimento de "Tropa de Elite" (2007-2010).

Esse quatro flanam por uma América em chamas buscando registros para o hoje e o amanhã, sem amarras de marketing e sem vetores comerciais que os controlem. A causa deles: ter um fato que figure nas manchetes, ainda que impresso a segue. A montagem do filme eletriza do começo ao fim, sobretudo na breve, mas perturbadora sequência com Jesse Plemons de bolsominion.