Por: Rodrigo Fonseca | Especial para o Correio da Manhã

Luiz Feier Motta: 'Na dublagem, como em qualquer atividade, a inteligência artificial precisa ser sempre coadjuvante'

Luiz Feier Motta condena o uso da IA em substituição aos dubladores | Foto: Divulgação

Depois da morte de Isaac Bardavid (1931-2022), parecia impossível alguém dublar o Wolverine com som e fúria dignos do que o saudoso mestre fazia... até Luiz Feier Motta ser chamado. É um presente aos tímpanos ouvir o gaúcho de Caxias do Sul dublar o mutante mais famoso da Marvel na série "X-Men '97", da Disney . Não se trata de uma imitação de Bardavid, mas, sim, da busca pela criação de um timbre próprio para o carcaju de ossos de adamantium.

Feier tem cancha para isso, com sua vasta quilometragem. Há pelo menos quatro décadas sua voz se faz ouvir na televisão e nas plataformas de streaming, sobretudo da boca de Sylvester Stallone. A estreia de "Risco Total", em 1993, já trazia o locutor e dublador gaúcho no posto de voz oficial do eterno Rocky. Ousaram substituí-lo na série "Tulsa King" e os assinantes da Paramount se revoltaram. Na entrevista a seguir, ele comenta o caso e fala do risco do uso da Inteligência Artificial na arte em que milita.

Como foi dar a Wolverine um perfil que honrasse o legado de Isaac Bardavid?

Luiz Feier Motta: Substituir o Isaac Bardavid, no "X-Men '97", foi uma honra, um presente e um prazer. O legado do Isaac é uma coisa monstruosa e maravilhosa. Foi sem dúvida um dos maiores dubladores brasileiros de todos os tempos. Esses dias, eu estava assistindo a um bangue-bangue antigo, dublado nos anos 1980, na Herbert Richards. O Isaac estava lá, dublando o bandido, que era, ninguém mais, ninguém menos, do que Jack Palance. Que aula de dublagem! Que show de dublagem! Jack Palance criou um personagem neurótico, cheio de problemas, alguém complexo, com uma personalidade muito complexa, e o Isaac entendeu isso e nos deu um show. Outro filme maravilhoso é o "Ben-Hur" de 1959, no qual ele dublou o Hugh Griffith. Além disso, ele foi o esqueleto em He-man, outro trabalho maravilhoso e fantástico. O Isaac também foi um grande diretor. Ele me dirigiu em vários filmes e várias séries. No "Space Jam", em que eu dublei o Michael Jordan... ele foi o diretor. Além de tudo isso, além de um grande colega, de um grande diretor, era um grande amigo. Conversávamos muito. Para mim foi um prazer indescritível substituir o Isaac, para dublar o Wolverine, nessa animação "X-Men '97". Meu trabalho é minha homenagem ao legado do Isaac.

Quem é o Wolverine que você busca criar? Como ele age? O que sente? Você busca pesquisa de algum tipo ao encarar um personagem desses?

Criamos a voz tendo como referência sempre o original. Wolverine é aquela figura fechada, bruta e mal-humorada. A cena é apresentada na hora, então se cria na hora, baseando-se no original. Esse é o trabalho do Wolverine em "X-Men '97". Já tinha dublado o personagem em "X-Men: Evolution" no começo dos anos 2000. Foi um grande prazer e uma grande honra.

Como você avalia o episódio da dublagem de Stallone em Tulsa King? O que significou recobrar seu boneco?

Com relação ao "Tulsa King" e ao Stallone, quem fez aquela dublagem cometeu um grande erro. Fizeram um trabalho muito ruim que deu a impressão de que a dublagem foi feita por amadores ou alunos de um curso. A dublagem de todos os personagens estava muito ruim. O movimento dos fãs do Stallone no Brasil é que desencadeou a redublagem por parte da Paramount. Fizemos um trabalho que ficou bem melhor. Isso é um respeito ao trabalho de longa data. Eu dublo o Stallone há cerca de 30 anos. O espectador está acostumado com aquela voz e você mudar, assim, do nada, não faz sentido. Na dublagem, pode ocorrer substituição, mas vamos fazer um trabalho bom. Quem for substituir que faça à altura ou melhor.

O que você pensa sobre redublagem e sobre o uso da AI nos estúdios?

Na dublagem, como em qualquer atividade, a inteligência artificial precisa ser sempre coadjuvante e nunca ser o personagem principal. Cabe a ela sempre ser a ferramenta que vai ajudar você a fazer um trabalho melhor. Vai ajudar o médico a fazer operações cada vez melhores; vai ajudar o advogado a fazer cada vez defesas melhores; vai ajudar o arquiteto a fazer projetos cada vez melhores. Mas ela nunca pode substituir o médico; nunca pode substituir o arquiteto; nunca pode substituir a voz do dublador. Se não houver regulamentação urgente, inteligência artificial é ficção se tornando realidade, é "Exterminador do Futuro".

Sua voz tem sido ouvida em vários trailers nacionais? Como é fazer esse trabalho? O que a dublagem agrega a ele?

O meu primeiro trailer eu gravei em 1996. Tem um tempinho. Foi "Missão: Impossível", o primeiro da franquia. De lá para cá, eu sempre procuro me aperfeiçoar em narração de trailers, porque eu gosto muito desse trabalho. Quando a minha voz é escolhida para algum trailer nacional, sinto uma grande honra, porque o pessoal que trabalha com o cinema brasileiro é um pessoal bem exigente, bastante detalhista. Quando escolhem a minha voz, é uma gratificação. Eu vejo a narração de trailers não como uma narração comum, que seja didática. Eu vejo o narrador de um trailer como mais um personagem daquela peça publicitária. Procuro sempre fazer a narração como se o narrador estivesse participando da cena, sempre mais um personagem na peça. É um trabalho que eu procuro evoluir a cada dia. Procuro ser criativo até onde é possível, pois você não pode passar do limite.

 

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