Por: Rodrigo Fonseca | Especial para o Correio do Mundo

Rodrigo Areias: 'Quanto mais específico um filme, mais possibilidade tem de existir em festivais de relevância'

Parceiro frequente do cinema brasileiro, Areias ganha homenagem | Foto: José Caldeira/Divulgação

Ganhador da Concha de Ouro do Festival de San Sebastián, em setembro passado, "O Corno" é um dos muitos filmes premiados que puseram o currículo de produções do português Rodrigo Areias entre os mais respeitados de toda a Europa. Mas o prestígio de sua obra anfíbia (ele é cineasta também, e dos mais prolíficos) não se restringe ao Velho Mundo, a julgar pela decisão do Bafici, o Festival de Cinema Independente de Buenos Aires, em dedicar uma retrospectiva a ele em sua 25ª edição, agendada de 17 a 28 de abril. Seis títulos dirigidos por ele (que é um parceiro frequente de artistas brasileiros) estão na grade do evento argentino, que tem Javier Porta em sua equipe de coordenação curatorial: "1960" (2012); "Estrada de Palha" (2012); "Ornamento e Crime" (2015); "Vencidos da Vida" (2018); e dois longas-metragens finalizados este ano: "O Pior Homem de Londres" e "A Pedra Sonha Dar Flor".

À frente da produtora Bando À Parte, Areias tem um lema, e dos mais ousados: "É melhor produzir maus filmes de boas pessoas do que bons filmes de pessoas más". Na entrevista a seguir, ele explica ao Correio como separa o joio do trigo e como enxerga vitrines sul-americanas como espaços de intercâmbio comercial.

De que maneira festivais como o Bafici e a Mostra de SP te aproximam do que se passa na produção latino-americana e te trazem novas hipóteses de investimento?

Rodrigo Areias: Festivais como o Bafici e a Mostra de São Paulo são importantes para mim enquanto realizador e produtor pois possibilitam a exportação dos nossos filmes em territórios importantes como são o Brasil e a Argentina. E dada a dimensão e importância desses festivais no panorama internacional, mas particularmente nos respectivos mercados nacionais, têm-nos possibilitado a distribuição comercial dos nossos filmes nesses países. Enquanto produtor, tenho coproduzido bastantes filmes brasileiros. Atualmente estou a produzir um filme do Helvécio Marins e do Felipe Bragança, o Eduardo Nunes e o Cao Hamburger. De argentinos, já produzi o Teddy Willimas e o Matias Piñeiro, e, como tal, são cinematografias de que estou próximo. Mas, sim, a minha presença nestes festivais potência essa relação de import/export...

O que sabe sobre o cinema que se faz na Argentina e de que modo o cinema à portuguesa que você faz chega por lá?

Sobre o cinema argentino, tenho acompanhado o que se faz mais no cinema independente, que é de uma vitalidade impressionante. De certa forma, esse é um cinema que, à moda de todo o cinema de autor, hoje tem alguma dificuldade em penetração nos mercados estrangeiros. Mas à semelhança com o nosso cinema, quanto mais específico, mais possibilidade tem de existir em festivais internacionais de grande relevância, e maiores possibilidades tem de ser estreado posteriormente em sala. Mesmo que numa escala reduzida, consegue ter espaço em sala comercial. Dessa forma, os nossos filmes têm teimado em ser estreados no mercado argentino, e esta retrospectiva da minha obra no Bafici será também essa porta de oportunidade para a estreia comercial na Argentina.

De que maneira os títulos que estão no Bafici desenham a tua imagem como criador, na tua anfíbia condição de cineasta e produtor?

Esta é uma mostra significativa de seis longas metragens, em que um é um filme compilação de curtas ("Vencidos da Vida"). A seleção inclui o western "Estrada de Palha" e o filme noir "Ornamento & Crime". Tem "O Pior Homem de Londres", que é uma produção de época também, e há o meu mais recente filme, "A Pedra Sonha Dar Flor", que é um filme um pouco mais poético feito a partir de "A Morte do Palhaço" e de outros textos de Raúl Brandão; mas também inclui um filme ensaio que é o "1960", feito a partir do diário de viagem do (arquiteto) Fernando Távora. Nesse sentido, não é uma retrospectiva completa, mas é bastante abrangente e eclética. De certa forma mostra mais o meu percurso enquanto realizador do que produtor.

Que filmes você tem pela frente para este ano?

Como realizador terminei agora uma série de cinco episódios sobre tradições orais europeias, onde estivemos a rodar em película super 8mm na Islândia, Lapônia, Ucrânia, Sardenha e Portugal. É uma série que talvez venha também a ter uma versão filme documental no futuro próximo… Estou também em processo de montagem de um documentário sobre (o escritor) William S. Burroughs a partir de arquivos dos anos 1970 e 80, que estou a corealizar com o meu amigo Aaron Brookner. Estou a preparar meu próximo longa de ficção, chamado "Balada de Prata", um filme para rodar, entre outros locais, na Ucrânia. Como produtor, estamos em rodagem de vários filmes neste momento: uma nova ficção de Edgar Pêra; o novo filme de Lois Patiño; a longa de animação de David Doutel e Vasco Sá (também em coprodução com o Brasil); uma primeira obra de Latifa Said; outra primeira obra de Angelo Torres, para filmar em São Tomé e Príncipe, onde também estamos a rodar um documentário de Jorge Quintela, entre muitas outras coisas. Em termos de estreias este ano, teremos algumas também… Estaremos em Locarno com um filme bastante radical de Edgar Pêra, e outras coisas que ainda não se podem anunciar.

 

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