Por: Rodrigo Fonseca | Especial para o Correio da Manhã

Al pacino, o rosto da Nova Hollywood

Al Pacino em cena em 'Parceiros da Noite' (1981), de William Friedkin | Foto: Divulgação

Embora parecesse meio doidão quando foi anunciar a vitória de "Oppenheimer", no Oscar, no último dia 10, Al Pacino é assim mesmo: o circo midiático do cinema nunca fez sua cabeça. É só olhar suas escolhas para entender o quanto ele optou por ser um outsider, fazendo do teatro um refúgio sempre que precisa. Acaba de ser dirigido por Michael Keaton em "Pacto de Redenção" e tem pela frente os longas "Billy Knight" e "Na Mão de Dante". Esses seus passos para o futuro. Para entender como ele chegou aonde chegou e como formou seu olhar, basta uma olhada na seleção da retrospectiva "Pacino", em cartaz no CCBB.

Nesta sexta-feira (5), lá na grade do evento, no Centro Cultural Banco do Brasil, às 14h30, tem "Um Momento, Uma Vida" (1977), no qual ele encara a velocidade sob a direção de Sydney Pollack (1934-2008), no papel de um piloto de corridas. É um título emblemático do movimento ao qual ele emprestou seu talento: a Nova Hollywood. No sábado, às 18h, passa "Parceiros na Noite" (1980), também dessa fase, que tem um pico de excelência com os dois primeiros exemplares da trilogia "O Poderoso Cehfão" (1972/1974), agendados para domingo.

Pacino explode nas telas em 1971, um tempo de transformação nos EUA. Caracterizado por uma profusão de rebeldes com causa e com câmera, o cinema americano dos anos 1970 representou uma espécie hemodiálise poética da imagem. Para entendê-la é necessário voltar no tempo. Houve uma vez um verão, o de 1967, no qual o cinema americano engajou-se numa bossa nova para seus padrões, diante de dois filmes "Bonnie & Clyde - Uma Rajada de Balas", de Arthur Penn, e "A Primeira Noite de um Homem", de Mike Nichols.

Em ambos, dois diretores com experiências em outras mídias (o primeiro vem da TV; o segundo, do teatro) contextualizaram a juventude dos EUA sob uma ótica alarmista de percepção do cerceamento moral e da violência das instituições, seja pela caretice da Família seja no chumbo quente do Estado. Dali pra frente, a filmografia do Tio Sam tomou uma curva à esquerda, imbuindo-se do espírito cinemanovista - aquele que pariu Truffaut, embalou Bertolucci, ninou Polanski, pôs Glauber para arrotar - para tirar cascas das feridas nas veias abertas da América profunda.

Naquele momento, uma trupe surgiu com uma proposta de engajamento social, político, comportamental e estético. Entre eles estavam Francis Ford Coppola ("A Conversação"), Martin Scorsese ("Taxi Driver"), Peter Bogdanovich ("A Última Sessão de Cinema"), Bob Rafelson ("Cada Um Vive Como Quer"), Michael Cimino ("O Franco Atirador"), Bob Fosse ("Cabaret"), Jerry Schatzberg ("O Espantalho"), Hal Ashby ("Muito Além do Jardim"), a esquecida Elaine May ("O Rapaz Que Partia Corações"), George Lucas ("Star Wars - Episódio IV: Uma Nova Esperança") e um certo Steven (o do "Tubarão" e de "Contatos Imediatos do 3º Grau")... aquele tal de Spielberg. Ponha ao lado deles ficionistas mais velhos, como Robert Altman ("M.A.S.H."), John Cassavetes ("Maridos"), Monte Hellman ("Briga de Galo"), Sidney Lumet ("Serpico") e o já citado Pollack ("A Noite dos Desesperados"). Embora muitos se esqueçam, foi aí que Woody Allen ("Bananas") apareceu.

E essa patota trouxe para o primeiro plano da tela as varizes éticas que impediam a oxigenação do sangue americano. Eles eram os chamados Easy Riders, em referência ao filme homônimo de Dennis Hopper, lançado em 1969 e tido como a carta de intenções de uma nova poética fílmica desesperada pelas chagas de sua pátria. Essas chagas eram, em geral, políticas e sociais - com destaque para a exclusão dos pobres e o dos imigrantes e o massacre dos ragazzi fãs de Beatles e Rolling Stones mortos no Vietnã.

Mas também havia as chagas da própria imagem, ou seja, a impotência que o próprio cinema teve de deflagrar uma revolução a partir de sua habilidade de (re)interpretar o mundo ao colocar sua memória em movimento.

Não apenas de ficcionistas viveu este clubinho de talentos, que tomou a ousadia de questionar os cânones de Hollywood. A partir de 1969, um time de documentaristas de peso como Shriley Clarke ("For Life, Against The War"), Peter Davis ("Corações e Mentes"), Michael Wadleigh ("Woodstock"), Arnold Perl ("Malcolm X"), o jovem Taylor Hackford ("Bukowski") e até o ascendente Martin Scorsese ("ItalianAmerican") fizeram do real um espaço de meditação e de investigação.

Eles levaram para a esfera documental todas as reflexões que os Easy Rider depuraram em road movies, dramas, comédias e thrillers, criando nas franjas da não ficção um bunker para a discussão do papel revolucionário das câmeras na mão. Pacino se lançou como diretor de longas com uma narrativa de tons documentais, chamada "Ricardo III - Um Ensaio (1996), falando de Shakespeare, uma de suas paixões. Foi por essa trilha fiel ao espírito da época que o formou. O CCBB mergulha nesse passado e extrai dele lembranças de atuações memoráveis de um dos maiores gigantes da arte de interpretar.

A Mostra Al Pacino segue no CCBB até 6 de maior, com curaoria de Paulo Santos Lima.

 

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