Por: Rodrigo Fonseca | Especial para o Correio da Manhã

Sean Penn por todo lado

Inédito em circuito no Brasil, 'Flag Day' pode ser alugado ou comprado no YouTube; o astro Sean Penn estrela e dirige o longa | Foto: Divulgação

 

Escalado para contracenar com Leonardo DiCaprio e Regina Hall em "BC Project", título provisório do novo longa-metragem de Paul Thomas Anderson, Sean Penn prepara um novo filme no posto de realizador: um documentário sobre o jornalista saudita Jamal Khashoggi, assassinado em 2018. Seu exercício mais recente como realizador, "Superpower", .doc sobre a Guerra da Ucrânia, permanece inédito em circuito por aqui. Porém, uma de suas incursões ao exercício da direção, o drama "Flag Day - Dias Perdidos", indicado à Palma de Ouro de 2021, acaba de ser lançado aqui, via YouTube, onde está disponível para compra ou aluguel. Sua protagonista, Dylan Penn, é filha do ator, e vive Jennifer, jovem problemática que entra numa jornada errática pelos EUA trombando com seu pai trambiqueiro, vivido pelo próprio Sean. A vida dura da menina não atenua seu amor pela figura paterna, que sempre a tratou como seu xodó, protegendo-a, dentro do possível, de seus erros.

"Eu tento apoiar pessoas que estão apoiando a liberdade", disse Penn na Berlinale de 2023, ao lançar "Superpower", sobre a violência cometida por Vladimir Putin na Guerra da Ucrânia, valorizando a estratégia do líder político Volodymyr Zelenskyy no conflito.

Codirigido por Aaron Kaufman, este ensaio sobre a violência institucionalizada foi recebido com controvérsia pela crítica pelo modo como Penn se debruça sobre a cultura da brutalidade na mídia. "Este não é um filme parcial pois fala de uma guerra que não é ambígua", disse Penn na coletiva de Berlim.

Na Europa, ele vem correndo circuitos com o thriller dramático "Black Flies", sobre o dia a dia de uma unidade móvel de paramédicos de Nova York, numa narrativa que evoca a série "Sob Pressão"). Devagarzinho, esse thriller sobre assistencialismo se impõe como mais um sucesso da carreira do astro, iniciada em 1979 e coroada com dois Oscars de Melhor Ator, dados a ele por "Milk - A Voz da Igualdade", em 2009; e por "Sobre Meninos e Lobos", em 2004.

Muitas vezes festivais como o de Cannes estenderam tapete vermelho para a presença de Penn, como se viu na Croisette em 2010, com a estreia mundial de "Jogo de Poder", de Doug Liman, na disputa pela Palma de Ouro. É a saga de um político que descobre a ligação de sua companheira (Naomi Watts) com esquemas de espionagem da CIA. É possível vê-lo hoje na Amazon Prime, streaming que acolhe uma série de produções estreladas pelo artista, como "Os Últimos Passos de Um Homem" (1995) e "O Pagamento Final" (1993).

Lá é possível (re)ver alguns dos melhores momentos de Penn à frente das telas, como "Colors - As Cores da Violência" (1988), de Dennis Hopper; "Tiro de Misericórdia" (1990), de Phil Joanou; "Reviravolta" (1997), de Oliver Stone; "A Intérprete" (2005), de Sydney Pollack; e "Aqui É O Meu Lugar" (Prêmio do Júri Ecumênico em Cannes em 2011), de Paolo Sorrentino. A Amazon acolhe ainda alguns filmes que Penn dirigiu, como "Acerto Final" (1995), que valeu uma indicação de Melhor Atriz Coadjuvante pra Anjelica Huston; "Na Natureza Selvagem", seu maior sucesso, consagrado pela trilha sonora de Eddie Vedder; e "The Last Face - A Última Fronteira", indicado à Palma em 2016. Este fala da relação entre cirurgiões ligados aos Médicos Sem Fronteiras, vividos por Charlize Theron (ex-namorada de Penn) e Javier Bardem.

"Queria falar sobre as contradições de quem se dedica a salvar vidas. Fui atrás da realidade nas zonas de guerra da África, filmando com uma multidão de pessoas como figurantes para retratar aquilo que a gente viu em campo: uma multidão de gente com problemas diante dos horrores da violência", disse Penn ao Correio da Manhã ao fim da exibição de "A última fronteira" em Cannes. "Filmamos na Cidade do Cabo buscando eliminar qualquer traço épico dos médicos: são pessoas normais, sujeitas a falhas, a dúvidas, a paixões, correndo riscos".

Recentemente, a Netflix abriu espaço para um de seus longas como cineasta: "A Promessa" ("The Pledge", 2001). Estrelado por Jack Nicholson (dublado por Francisco Milani), esse amargo thriller (também chamado "O Juramento") conta com estrelas como Sam Shepard, Vanessa Redgrave, Patricia Clarkson, Robin Wright, Benicio Del Toro, Helen Mirren, Aaron Eckhart e um Mickey Rourke em estado de graça. Nicholson encarna um policial que, no dia de sua aposentadoria, envolve-se no caso da violência contra uma garotinha.

Penn tem uma tendência autoral em denunciar silenciamentos e desamparos estatais, tendo participado de um movimento de mídia para ajudar o Haiti, em 2012. Mas foi na ficção que ele mais se destacou como diretor, embora seus filmes - personalíssimos - encontrem pouco ou zero ressonância no cinemão. A jornalista brasileira Bianca Kleinpaul cunhou, em 2007, uma expressão perfeita para definir Penn aos olhos da indústria cinematográfica: "o odiadinho de Hollywood". Grandes realizadores evitam elenca-lo, cientes de que sua personalidade combativa por vezes cria uma série de rusgas. Ele e Woody Allen, por exemplo, terminaram "Poucas e Boas" (1999) sem se falar. Só Terrence Malick, entre os titãs na ativa, adora filmar com ele, tendo convidado o ator para "Além da Linha Vermelha" (Urso de Ouro de 1999) e "A Árvore da Vida" (Palma de Ouro de 2011).

Destaca-se ainda o já citado Paul Thomas Anderson, que o incluiu numa singular participação em "Licorice Pizza". Fora isso, Brian De Palma, que não filma nada desde "Dominó" (2019), tinha Penn como um fetiche. Mesmo assim, ele ainda atua, mais em séries ("The First - Viagem a Marte" e "Gaslit", que está no Globoplay) ou em filmes indies, como "Daddio", de Christy Hall, no qual ele vive um taxista que conduz uma moça em crise (Dakota Johnson) ao aeroporto. Ou seja, tem Penn por todo lado.

Só é difícil encontrar em streaming o primeiro longa dirigido por Penn, "Unidos Pelo Sangue" ("The Indian Runner", 1991), indicado ao Leopardo de Ouro de Locarno. É a saga de uma família em xeque, num embate entre os irmãos Joe e Frank Roberts, vividos por David Morse e Viggo Mortensen, com direito a Patricia Arquette, Valeria Golino, Dennis Hopper e (pasmem!) Charles Bronson no elenco. São surpresas que Penn nos reserva.

 

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