Por: Rodrigo Fonseca | Especial para o Correio da Manhã

Helena Solberg: 'É impossível abarcar todas as expressões femininas'

Diretora de cults como 'Banana Is My Business', Helena Solberg abre o maior festival de documentários da América Latina nesta quarta com 'Um Filme Para Beatrice' | Foto: Divulgação

 

Reconhecida internacionalmente com prêmios dados a "Carmen Miranda: Bananas Is My Business" (1995) e "A Dupla Jornada" (1976), Helena Solberg já foi laureada em festivais de forte adesão popular como o de Gramado, onde ganhou o troféu Kikito de Melhor Longa-Metragem, há exatamente 20 anos, por "Vida de Menina" - uma ficção.

Ficção esta perfumada de realidade brejeira, que encarou (muito bem) as provas do tempo, nas últimas duas décadas, em especial por sua mirada feminista. Mas é o documentário que transformou a cineasta num farol para o cinema tentar entender o Brasil.

Seu "Palavra (en)cantada" (2008), por exemplo, arrastou multidões ao circuito para ouvir sobre nossa trova. Narrativas do real ajudaram a dar espaço (e notoriedade) à diretora já no período vigente do Cinema Novo (1962-1970), quando sua obra começou a ser construída. O organismo estético que ela alimenta desde a década de 1960 serve de motor para "Um Filme Para Beatrice", atração de abertura da mais importante maratona cinéfila de não ficção da América Latina: o É Tudo Verdade.

A produção será exibida nesta quarta-feira (3), às 20h, no Estação NET Botafogo (QG do evento em sua porção carioca, uma vez que há uma programação simultânea em São Paulo), com repeteco amanhã, também às 20h30. No dia 13 rola uma última projeção na cidade, no Estação NET Rio, às 14h.

Sua estrutura dramatúrgica é pautada por uma pergunta: "Como vão as mulheres no Brasil?". A questão é feita à realizadora por uma jornalista italiana. Helena tenta responder por meio de elementos dos seus filmes. Mas, na entrevista a seguir, ela adianta ao Correio da Manhã parte das inquietações de sua nova incursão à telona.

De que maneira "Um Filme Para Beatrice" promove uma triagem das expressões femininas do seu tempo e como ele se estrutura na História? Que perguntas norteiam sua narrativa?

Helena Solberg: A pergunta talvez ingênua da jornalista italiana em meu longa remeteu-me ao passado para resgatar, em alguns de meus filmes antigos, questionamentos que eu já vinha fazendo há muitos anos. Alguns foram feitos há mais de 50 anos e, hoje, poderiam ser considerados quase material de arquivo. Procurei examiná-los como um trampolim para o presente, para questões novas como o 'transfeminismo', que me pareceu a mais desafiadora e fascinante. Acredito que não existem respostas definitivas. Essas respostas estamos construindo através dos tempos. A questão da mulher mexe profundamente com toda a estrutura da sociedade. É impossível abarcar todas as expressões femininas.

Qual é a sua relação de tempo, espaço e credo com o Cinema Novo?

O Cinema Novo foi um momento muito rico de descobertas. As sessões na Cinemateca nos inundaram com o Neorrealismo Italiano e a Nouvelle Vague. Eu me lembro do espanto com os filmes de Glauber e de muitos outros. Era a minha geração, eram amigos que, de sua posição dentro da sociedade, como homens procuravam, através de seus filmes, questionar a ordem social. Eram machistas? Certamente, como toda a sociedade! Se eu estava ou não inserida nesse grupo? Acho que foi uma simplificação criada pela mídia. Eu tinha uma agenda minha, particular, que questionava também essa estrutura de um outro ponto de vista, de um outro ângulo. Como minha formação burguesa nos preparava com valores que seriam utilizados dentro do lugar que nos estava reservado? Bem, a resposta que a esquerda dava aos nossos questionamentos era frustrante e paternalista: teríamos que esperar, como boas meninas, que outros assuntos mais sérios fossem resolvidos. Acho que as mulheres entenderam que a questão era uma só e saíram à luta!

Em que ponto da sua trajetória - e como - o cinema documental se impôs como um lugar de verdade, da sua verdade artística, e se apresentou como veio de investigação?

O cinema foi uma ferramenta que mais de uma vez me aproximou de uma realidade suspeitada, mas, até então, desconhecida, e, como em todo documentário, acho que saí mais sabia e enriquecida por haver escutado o outro/a outra e juntas (o feminismo) vamos continuar procurando uma resposta. No meu primeiro filme, "A Entrevista", convidei (o pintor e cineasta) Mario Carneiro para a fotografia e tive (Rogério) Sganzerla na montagem. Ficamos amigos para o resto da vida! Fui a São Gonçalo do Rio das Pedras para assistir às filmagens de "O Padre e a Moça", a convite de Joaquim (Pedro de Andrade). Trabalhei como continuísta de (Paulo Cezar) Saraceni no "Capitu", e la nave vá…. Assim o documentário acabou sendo minha forma de expressão cinematográfica mais afim às minhas motivações e objetivos. Não foi premeditado. Foi o que acabou acontecendo nessa mistura de desejos e condições objetivas, que é o que define todas as trajetórias.

 

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