Por: Rodrigo Fonseca | Especial para o Correio da Manhã

Remake de 'Matador de Aluguel' dá um tapa na cara do tempo

Matador de Aluguel | Foto: Divulgação

Do outro lado da vida, o astro de "Ghost", Patrick Swayze (1952-2009) vem sendo relembrado por um outro de seus sucessos, que ganha um status inusitado de cult 35 anos depois de seu lançamento: "Matador de Aluguel" ("Road House", 1989). Sua transmissão na TV Globo, em 1993, só fez ampliar sua fama, com Ricardo Schnetzer dublando o protagonista no Plim-Plim.

O que traz essa narrativa de volta ao debate público é um eletrizante remake, rodado por Doug Liman, que virou um dos títulos de maior sucesso na Amazon Prime. Jake Gyllenhall (numa boa dublagem de Felipe Grinnan) assume o papel que foi de Swayze nos anos 1980, quando era possível regar um thriller de tapas na cara com sexo e muita nudez. O erotismo de outrora foi barrado na versão de Liman, pelas patrulhas ideológicas do presente. Mas a pancadaria rola solta, ainda mais feroz.

Atração do festival SXSW, realizado no Texas, o longa-metragem arranca de Gyllenhaal um primor de desempenho no papel do ex-craque do MMA Dalton. Temido por excesso de brutalidade, o que lhe valeu um crime nas costas, ele é chamado para ser o segurança de um bar na Flórida - ainda que as locações tenham sido na República Dominicana. A opção de virar leão de chácara faz dele objeto do desafeto do chefão do crime Brandt (papel de Ben Magnussen) e do xerife local, vivido pelo astro rei lusitano Joaquim de Almeida.

A atriz portuguesa Daniela Melchior entra em cena no papel da médica Ellie. O destaque da produção cabe ao ídolo do MMA Conor McGregor, bem escalado para viver o vilão Knox, capanga ferrabrás de Brandt.

Liman se saiu bem no rastro da ação antes, ao abrir a franquia "Jason Bourne", em 2002, e ao rodar "Sr. & Sra. Smith", em 2005, com Angelina Jolie e Brad Pitt. Com o aclamado "Swingers: Curtindo a Noite" (1996) em seu currículo, ele foi indicado à Palma de Ouro de Cannes, em 2010, com "Jogos de Poder", e emplacou a cultuada sci-fi "No Limite do Amanhã", há dez anos, fazendo Tom Cruise ir ao futuro e voltar dele.

É um realizador sofisticado no trato com sequências de luta, tiro e correria. Mas, ao assumir um posto antes confiado a Nick Cassavetes ("Um Ato de Coragem"), ele lambuzou as mãos na chamada violência gore, um filão que se torna cada vez mais rentável.

O gore é um conceito inerente ao terror, tipo a franquia "Terrifier" (do palhaço Art), no qual sangue e tripas se espalham pela narrativa, das formas mais inusitadas e grotescas, beirando a pornografia de brutalidade. É a fórmula que se encontrou em janeiro deste ano no êxito pop "Beekeeper", com Jason Statham, produção de US$ 40 milhões cuja receita foi de US$ 152 milhões.

Apoiado numa dionisíaca fotografia de Heny Baham e numa vertiginosa montagem, editada por Doc Crotzer, o "Matador de Aluguel" de Liman supera o que havia de sangrento em sua matriz, lá de 89, e se equipara à selvageria do supracitado longa com Statham.

Gyllehaal injeta fúria a um enredo avesso à moral castradora que impera na indústria do entretenimento, resgatando um espírito de vigilantismo que só existia no Charles Bronson (1921-2003) dos anos 1970 e 80. A retidão inquebrantável dele evoca os samurais de Toshiro Mifune (1920-1997), embora sem espadas, pois ele usa o que tem pela frente (como um jarro de mel) como instrumento de seu revanchismo.

Diante do moralismo que vem estagnando a produção de longas-metragens do veio "polícia x ladrão" e empapando os filmes de super-heróis de infecta coerção, a figura impávida de Dalton cai como injeção de anticorpos. É um resgate para uma forma vívida de testar os ideais de mundo que entortaram o molde do "guardião", do "salvador", do "escolhido", abrindo uma reflexão lúcida sobre nossos desamparos. Essa força vem do molde oferecido a Gylenhaal pelo roteiro de Anthony Baarozzi e Chuck Monday, fotografado de forma nevrálgica, sob a perspectiva dos golpes. É o trabalho mais radical de Liman com a imagem em movimento, sob as diretrizes da adrenalina.

 

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