Por: Rodrigo Fonseca | Especial para o Correio da Manhã

Ana Maria Magalhães: 'Minha narrativa é delicada'

Atriz e diretora, Ana Maria Magalhães repassa sua exitosa trajetória no cinema brasileiro em conversa exclusiva com o Correio | Foto: Itaú Cultural

Quem sintonizar no Canal Brasil neste sábado (30), a partir das 17h30, vai passar um fim de tarde dos bons com Ana Maria Magalhães numa retrospectiva de sua carreira como cineasta. "O Bebê" (1987) é o título de arranque dessa maratona na TV, que termina com "Já Que Ninguém Me Tira Para Dançar" (2021). A seleção de filmes escolhidos celebra as cinco décadas de dedicação da atriz e montadora ao ofício de realizadora.

Documentarista de arguta precisão técnica no tratamento dos registros do real, como já comprovara em seu "Reidy, A Construção da Utopia" (2009), a estrela de filmes seminais como "A Idade da Terra" (1980) ganhou fama internacional ao encarnar a indígena Seboipepe em "Como Era Gostoso o Meu Francês", de Nelson Pereira dos Santos, há 53 anos. Primeiro o filme arrebatou plateias na Quinzena dos Realizadores de Cannes e, depois, foi à briga pelo Urso de Ouro de Berlim. As experiências que adquiriu com grandes mestres da direção alimentaram seu olhar de cineasta.

"Minha formação de diretora começou pela edição. Fiz estágio com o Nelson e fui assistente de Mario Carneiro e depois de Gustavo Dahl. Acho que desse caldeirão criei uma forma de montar fora dos cânones", diz Ana Maria ao Correio da Manhã, com quem ela conversou para tratar da mirada política de sua obra.

Qual é a sua busca consciente - estética e politicamente - no seu legado como realizadora? O que esse seu cinema tangencia da realidade brasileira, sobretudo numa contextualização da força feminina?

Ana Maria Magalhães: Sempre busquei temas que me tocam particularmente. Para ficar nos filmes que serão exibidos na maratona: a criação feminina no audiovisual em meu primeiro filme, "Mulheres de Cinema"; a arte visceral que se mistura à vida - no caso, a poesia - em "Assaltaram a Gramática"; a misteriosa comunicação entre a mãe e sua cria, ou seja, a maternidade em "O Bebê"; as crianças pobres e seu futuro numa comunidade forte culturalmente como em "Mangueira em 2 Tempos", sobre o poder da arte - no caso, a musicalidade - como meio de expressão, cura e subsistência. Tenho ainda um filme sobre a amizade entre Leila Diniz e eu, falando da trajetória da atriz e de sua revolução pessoal em plena ditadura. "Já que ninguém me tira para dançar" não perde de vista o feminismo espontâneo da nossa geração, encarnada por Leila, que, sem alarde, na prática, mudou os costumes e avançou na igualdade - entre nós e eles - sem perder jamais a ternura e a independência. Todos de alguma forma são filmes políticos, que propõem pensar sobre o tempo em que vivemos. Esteticamente a minha narrativa é delicada e aproveita as artes que o cinema oferece buscando beleza nos cenários, enquadramentos e sons. Quase todos os meus filmes têm trilha musical e canções originais ("Assaltaram a Gramática", "Mangueira" e o "Já Que..."). Noutro dia ouvi "Assaltaram a Gramática" em duas estações de rádio diferentes e fiquei super feliz. O filme é de 1984. Minha formação é de montadora. É aí que aparece melhor o meu estilo.

Que cenário havia no Brasil quando você estreia na direção e de que forma aquele esqueleto no armário inerente à ditadura pesava nos horizontes artísticos de quem estreava na direção de longas?

Estreei na direção de um média-metragem, "Mulheres de Cinema", em plena ditadura. O projeto é de 1974, o final do governo Médici. Uma dureza! Fazia-se muita pornochanchada. Tentei descobrir qual era o lugar das atrizes - e o meu - no cinema brasileiro realizando "Mulheres de Cinema".

Você trabalhou há 15 anos com Manoel de Oliveira em seu "O Estranho Caso de Angélica". De que maneira a sua experiência ampla como atriz serve de norte a seu trabalho como diretora?

É uma via de mão dupla. O trabalho como atriz orienta o da diretora e vice-versa. Com diretores como Nelson Pereira dos Santos, Glauber Rocha e Manoel de Oliveira, que considero mestres, sempre há o que aprender e como contribuir. Glauber e Manoel me pediram coisas inusitadas que eu não apenas fiz como aperfeiçoei o que pediram. Depois que vi os dois filmes nas telas entendi o porquê. Nelson me instruiu sobre montagem e a filmar sem jamais se deixar levar pelas dificuldades, porque há sempre solução para os problemas. Sobretudo ele deixou plantada a semente do prazer de filmar.

O que você planeja como realização para os próximos meses? Que filmes seus estão por vir?

Planejo realizar um de longa ficção e talvez uma série. Mas antes devo terminar um projeto de escrita.

 

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