Por: Rodrigo Fonseca | Especial para o Correio da Manhã

Marão, de Nilópolis à terra de Totoro

Marão em visita a Totoro, na loja dos Estúdios Ghibli. O animador está no Japão para lançar 'Bizarros Peixes das Fossas Abissais', seu primeiro longa, no Niigata Film Festival | Foto: Acervo Pessoal

 

De Tóquio até a cidade de Niigata, um turista ou profissional em visita ao Japão gasta uma média de quatro horas e 25 munitos num voo que percorre uma distância aproximada de 274 km. A região de destino fica na costa noroeste da ilha de Honshu. Sua fundação ocorreu em 1889 e, pelos cálculos estatísticos mais recentes, sua população é de 810.157 habitantes, espalhados numa área de 726,4 km². É nesse território que acontece um dos festivais de animação que mais cresce de prestígio na atualidade. Quem nos conta novidades de lá é um emissário de Nilópolis (RJ): Marcelo Marão.

Premiado mundialmente com curtas como "Até a China" (2015) e "Eu Queria Ser Um Monstro" (2010), o cineasta passeia por terras nipônicas em competição com seu primeiro longa-metragem: "Bizarros Peixes das Fossas Abissais".

"O festival está apresentando uma retrospectiva do animador Isao Takahata, um mestre japonês, mas, para minha surpresa, grande parte dos filmes selecionados não é asiática", diz o diretor. "Eles têm esse festival desde o ano passado lá em Niigata. Apesar de ser muito recente, o evento é gigante, com salas de 500 lugares, quase sempre com as sessões lotadas. No norte do Japão, a cidade é bem fria, e está começando a nevar", relata.

Porta-voz da produção animada do Brasil numa defesa aguerrida do setor, Marão fala aos colegas do Niigata International Animation Film Festival sobre as potências de sua pátria. Só adiciona um lamento. "O Anima Mundi foi a minha pós-graduação e eu reclamo sempre da ausência desse festival tão querido, que parou em 2019, para ver se ele volta", diz o realizador, que se delicia com a programação.

O cardápio é variado: "Alguns dos destaques da programação do festival, apesar de ser aqui no Japão, são 'A Outra Forma', um filme de animação colombiano que passou em Annecy, na França, e foi finalista dos prêmios Quirino; e 'Mars Express'. Esse é um filme francês que também foi competiu em Annecy e nos grandes festivais do mundo, mas é bastante eclético. É curioso notar que muitos filmes que não são animes", diz Marão, referindo-se ao termo usado para definir uma linhagem internacionalmente consagrada - e muito rentável - da produção audiovisual dos japoneses, coroada este ano com o Oscar.

Quem ganhou a estatueta foi "O Menino e a Garça", do octogenário artesão Hayao Miyazaki (já oscarizado antes por "A Viagem de Chihiro") e famoso por personagens como Totoro e Porco Rosso. "Paradoxalmente, eu não vi esse filme justamente porque seu lançamento se deu durante a campanha de estreia do nosso longa e, em todas as cidades onde ele estreou, eu pude acompanha-lo, participando de workshops, de oficinas, de bate-papos. Já estava passando o Miyazaki e eu, doido para ver o filme, não conseguia. Estou aqui no Japão sem ter visto, mas fui à loja dos Estúdios Ghibli, que o produziu, e vou assisti-lo só quando voltar para o Brasil", diz Marão, que se empapuça ainda dos gibis editados na nação de Akira Kurosawa, conhecidos como mangás.

A lista de pedidos de seus amigos do Rio de Janeiro, num ritual de "Pô, Marão, me traz um mangá", é longa.

"Apesar de não ser um grande conhecedor de mangás e animes, desde os anos 1990, eu sou obcecado pelo trabalho do Katsuhiro Otomo. Assisti a seu filme 'Akira' (derivado do gibi de sua própria autoria) na época em que estreou nos cinemas no Brasil, em 1991, e revejo-o sempre. Tenho toda a coleção dos quadrinhos, desde os fascículos que saíam mensalmente no Brasil, até a coleção encadernada que saiu depois. Sou fascinado, embasbacado, vendo aquelas páginas devastadoras", diz Marão. "Lembrarei para sempre, depois da destruição da cidade, daquelas 20/30 páginas só de ilustrações, sem texto e com a destruição. Ao mesmo tempo, eu me lembro de 'Gen Pés Descalços', que é um dos quadrinhos favoritos de toda a minha vida. Apesar de um traço mais acadêmico, sua dramaturgia é tão devastadora que me serviu de inspiração e referência para minha relação com os quadrinhos de modo geral".

 

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