Numa primeira impressão, "Lupícínio Rodrigues: Confissões de um Sofredor", de Alfredo Manevy, é um documentário musical como muitos outros. Vemos um empilhamento de imagens de arquivo com entrevistas de várias épocas e até uma narração do outrora onipresente Paulo César Pereio. Dois fatores, contudo, contribuem para mudar um pouco a avaliação.
O primeiro vem de um obstáculo: a produção tinha material de entrevistas com o compositor, feitas de 1968 a 1974, ano de sua morte, mas a maior parte somente em áudio. A saída foi inventar com a dissociação entre imagem e som.
Quando Lupicínio fala dos três meses que passou vendendo samba no Rio de Janeiro para se sustentar, vemos imagens de fotos e filmes da época, e principalmente de "Rio Zona Norte", de 1957, longa de Nelson Pereira dos Santos que narra, disfarçadamente, uma história com pontos parecidos, a de Zé Keti.
Essa associação criativa e libertária entre imagens e sons de arquivo põe o espectador diretamente em uma ambiência musical de outros tempos, com suas particularidades e precariedades, figuras folclóricas e aproveitadores.
O outro fator vem do próprio biografado. Nesse tipo de filme, é melhor que tenha participado de boas histórias. Lupicínio, compositor de fala mansa e canções marcantes como "Nervos de Aço", "Volta" e "Felicidade", é protagonista de várias delas. Desde a infância e a adolescência, na Ilhota, bairro boêmio de Porto Alegre, até quando serviu ao Exército em Santa Maria, no interior do Rio Grande do Sul, e compôs uma canção criticando a comida.
As desilusões amorosas que ele transformava em músicas; as amantes e até uma esposa paralela, cuja filha é uma das entrevistadas; os bares e restaurantes que abriu para dar espaço a músicos; a maneira como algumas de suas canções viajavam por todo o Brasil e mesmo a Argentina e o Uruguai.
Um de seus sucessos, "Se Acaso Você Chegasse", foi até utilizada em um filme de Hollywood, "Dançarina Loura", de 1944, numa versão instrumental jamais creditada ao verdadeiro compositor.
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