Por: Rodrigo Fonseca  | Especial para o Correio da Manhã

Bruno safadi: 'As críticas não abalam mais minhas buscas, meus desejos, meus sonhos'

| Foto: Divulgação

 

Devoto de São Júlio Bressane, batendo cabeça por orixá que sganzerlam nosso audiovisual, o carioca Bruno Safadi volta às telas com uma celebração do feminino em sua veia mais metafísica, mística e originária: "Lilith". Num jorro experimental, o realizador de "Meu Nome É Dindi" (ganhador do Prêmio Aurora da Mostra de Tiradentes em 2018) põe Isabél Zuaa no papel da primeira mulher a povoar a Terra. Renato Góes é Adão, de cuja costela nasce Eva (Nash Laila). A fotografia estonteante de Lucas Barbi amplia voltagens sinestésicas de um filme que desnuda o sexismo desde os primórdios dos tempos.

Consagrado ainda por "O Prefeito" (2015), Safadi explica ao Correio da Manhã a gênese poética de uma reflexão cinematográfica que tangencia a Bíblia.

Qual é a ideia de feminino que norteia "Lilith"?

Bruno Safadi: "Lilith" é um mito que nasce há três mil e quinhentos anos na Suméria, atual Iraque. Junto a diversos elementos da cultura persa, foi lá que a cultura judaica - após a libertação dos judeus da escravidão na Babilônia, por volta do século V antes de Cristo - incorporou o mito de Lilith. Para essas culturas, Lilith era um mito maligno e moralizante, que determinava a figura feminina como alguém que desestabilizou o primeiro Homem e sua relação com Deus. Posteriormente, o mito de Lilith seguiu na cultura judaico-cristã como um Demônio, alguém que aterrorizou homens e bebês recém-nascidos e foi frequentemente associada à Noite, à Lua, à água. Dentro da cultura dualista das religiões monoteístas, Lilith habita "o outro lado", enquanto o Homem é associado a Deus, ao Sol e ao Dia. A partir do século 19, com a crescente libertação das sociedades das religiões cristãs, com o surgimento de disciplinas como a Psicanálise e as mais variadas formas de expressões artísticas, o mito de Lilith ganha novos significados e interpretações. De demônio Lilith passa a ser a primeira figura feminina a se insurgir contra o patriarcado. Vira a Mulher que mostra ao Homem que através da união dos polos se pode chegar à grande Luz, e que a soma dos gêneros aponta para o Uno, para o Deus. Era claro para mim, desde o início do projeto, em 2013, que me interessava contar a história da Lilith ressignificada. Queria a Lilith das artes, a Lilith da poesia. Queria contar essa história a partir do recorte da passagem de Lilith com Adão para pensar o lugar do masculino e do feminino nos dias de hoje.

Que referências simbólicas espelham a força mítica da mulher no longa?

Uma vez definido o recorte, reuni todas as características de Lilith e apliquei à linguagem cinematográfica. Filmei o Sol e a Lua. Filmei a união dos astros no eclipse total. Filmei os elementos da natureza. Pensei a ideia de união dos polos realizando o filme em película e em digital, elaborando a montagem com a utilização de fusões. Toda forma de expressão dentro do filme aponta para a linguagem que o mito carrega em sua trajetória imensamente rica e fraturada. São referências para Lilith, Pasolini, Parajanov, Bressane, Jonas Mekas e Stan Brakhage.

De que maneira as mulheres que iluminam seus filmes desde "Uma Estrela Pra Ioiô", de 2003, materializam-se na personagem que (Isabél) Zuaa cria?

Creio que todas as mulheres que protagonizam meus filmes anteriores, como Ioiô, Dindi, Karine, Antonia, Nadja e Joana, são personagens empoderadas, muito fortes, que enfrentam desafios grandes e nunca baixam a guarda, não se subjugam, nem se insubordinam. São mulheres que dizem sim às suas escolhas e abraçam seus destinos. Nestas características, elas se aproximam de Lilith.

De que forma a busca estética que se consagra com "Dindi" se depura, consciente, no processo de "Lilith", ou seja, como o teu modo de filmar se modifica nesses últimos 16 anos?

"Meu Nome É Dindi" foi meu primeiro longa. O filmei com 25, 26 anos de idade. Nestes 16 anos, muita coisa se passou. Realizei muitos filmes. "Lilith" é meu oitavo longa-metragem. Creio que o passar dos anos me trouxe mais segurança para experimentar e menos medo dos riscos que qualquer experimentação costuma trazer. Naquele primeiro filme, muita coisa estava em jogo. Dar certo ali era fundamental para pode seguir filmando. Claro, que "Lilith" ter repercussão é importante. Mas, seja esse positivo ou negativo, o resultado ou as críticas não abalam mais minhas buscas, meus desejos, meus sonhos. Filmar pode realmente ser um processo de aprendizado. É em busca do aprender e de viver novas experiências que eu estou atrás.

 

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado.