Visto por 160 mil pagantes em telas francesas, a delícia de comédia chamada "O Livro da Discórdia" ("Youssef Salem a du succès") aporta enfim em circuito comercial no Brasil depois de uma passagem bem-sucedida pelo Festival Varilux 2023. A direção é da atriz Baya Kasmi, que virou roteirista profissional e ganhou o César (espécie de Oscar da pátria de Truffaut) pelo script de "Le Nom Des Gens" (2011).
Este é seu segundo longa como diretora e ela o escreve em duo com Michel Leclerc. O enredo explora com precisão (e molejo) o humor sem perder foco da discussão sobre o fetiche de seus compatriotas pelas culturas que seu país colonizou História afora, numa sanha metropolitana. Mas o foco aqui é a decolonização, narrada com fina ironia e com o empenho pleno do ator Ramzy Bedia, parisiense de origem argelina.
Seu desempenho como Youssef Salem, um aspirante a autor best-seller, é cheio de nuanças. Salem é descendente de uma família de imigrantes da Argélia que vive em Port-de-Bouc, a 765,3 KM de Paris. O conforto dessa distância permite que ele possa narrar as peripécias de seus parentes, sob pseudônimos, num romance que arriscou publicar, com o título de "Le Choc Toxique". Mas o êxito de sua prosa, coroada com o Prix Goncourt, notável honraria europeia, faz dele uma celebridade e atiça a curiosidade de seu clã por sua fama, sem que seu pai e suas irmãs saibam de tudo o que ele escancara.
Cheia de temperos agridoces (leia-se melodrama), a escrita de Baya ganha tons cálidos na luz dionisíaca da fotografia de Julien Roux. A montagem de Monica Coleman ressalta o ritmo de trapalhada no qual a vida de Youssef passa a girar, numa ciranda etnográfica de erros. A seu lado ele tem uma editora fiel, embora muito da cachaceira e um tanto apaixonada, chamada Lise, papel de Noémie Livovsky.