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E o Oscar vai para... 'Oppenheimer'

Oppenheimer levou sete estatuetas, incluindo melhor filme, ator, ator coaduvante e direção | Foto: Universal Pictures/Divulgação

Por Rodrigo Fonseca

Especial para o Correio da Manhã

Prova incontestável de que da indústria, do cinemão, brotam pérolas, "Oppenheimer" foi anunciado pela boca de um dos maiores atores da História, Al Pacino, como o ganhador do Oscar de 2024. A produção de US$ 100 milhões venceu ainda em outras seis categorias: Direção (Christopher Nolan); Fotografia (Hoyte Van Hoytema); Montagem (Jennifer Lame); Trilha Sonora (Ludwig Göransson); Ator Coadjuvante (Robert Downey Jr.); e Ator, dado ao esmagador desempenho de Cillian Murphy.

Visto por três milhões de pagantes no Brasil, depois de faturar US$ 957 milhões nas bilheterias internacionais, "Oppenheimer" já está no streaming, na Apple TV. Pode ser acessado por uma merreca na Amazon Prime Video Store, na Google Play e na YouTube Filmes. Foi a terceira maior arrecadação mundial de lavra hollywoodiana em 2023, atrás apenas de "Barbie" (a primeirona da fila, com US$ 1.441.717.724,00 de lucro) e de "Super Mario Bros. Movie" (US$ 1,3 bilhão de receita).

Seu rol de Oscars se abriu quando Robert Downey Jr. foi galardoado com o Prêmio de Melhor Coadjuvante. Eternizado no imaginário pop como Tony Stark, o Homem de Ferro, no momento de exorcismo do fantasma da dependência química, ele é o hidrogênio que areja a atmosfera plúmbea de um filme construído para "ser para sempre".

"Eu precisava mais desse trabalho do que ele precisava de mim", diz Downey Jr.

Uma postagem na internet do cineasta Paul Schrader, diretor de "Fé Corrompida" (2017) e "A Marca da Pantera" (1982) e roteirista de "Taxi Driver" (1976), resume tudo o que o Nolan conseguiu sintetizar ao longo de três horas de pura excelência. Schrader disse: "É o melhor, o mais importante filme deste século". O superlativo impressiona e até espanta, não só por soar prematura, mas por ter sido emitido por um criador sábio, extremamente avesso a (quase) tudo o que as usinas hollywoodianas produzem.

O que justifica sua fala seja justamente o fato de Nolan NÃO ser aquilo que os estúdios cismam em produzir e, sim, um diretor autor que dirige narrativas personalíssimas, de teor filosófico, em forma de espetáculo, como é o caso do estonteante "Oppenheimer". Basta dois diálogos para que toda sua força dramatúrgica fique evidente: a) "Genialidade não garante sabedoria"; b) "Vocês procuram o sol, só que o Poder reside nas sombras". Essa joia aí ao lado é dita pelo almirante Lewis Strauss, intelectual autodidata que busca exterminar a reputação do físico J. Robert Oppenheimer (1904-1967) depois de sugar dele aquilo de que a América necessitava em meio à II Guerra: a criação de uma arma nuclear suprema. Estruturado na aparência como se fosse uma aula de geopolítica sobre a corrida nuclear, o filme carrega toda a assinatura formal e filosófica do realizador despontou aos olhos da crítica com "Amnésia", em 2000 e virou objeto de culto (e também de ódio) com a trilogia "Batman" (2005-2012).

Primeira estatueta a ter sido entregue na festa, após um atraso de cinco minutos e uma série de piadinhas mordazes do apresentador Jimmy Kimmel, o troféu de Melhor Coadjuvante foi dado a Da'Vine Joy Randolph, por "Os Rejeitados". Sua atuação como cozinheira principal de uma escola de elite, nos EUA dos anos 1970, evoca uma série de conflitos raciais dos EUA. Na transmissão nacional, feita pela TNT, sua apresentadora, a atriz Ana Furtado, definiu a vencedora como "cantatriz". Fato! Nascida na Filadélfia, ela ganhou notoriedade há 12 anos, no teatro, ao assumir na Broadway o papel da vidente Oda Mae Brown na montagem de "Ghost - O Musical". A alegria dela contagiou a cinefilia. As falas furiosas de Kimmel, não. Só em seu ataque a Donald Trump, ele se saiu bem, mas não fez jus ao cargo de anfitrião.

Ganhador da Palma de Ouro em Cannes, em maio, "Anatomia de uma Queda" foi preterido pelo governo francês, em prol de "O Sabor da Paixão", porque sua diretora - Justine Triet - fez uma crítica ao tratamento dado pelas autoridades de seu país à Cultura. Mas, para dissabor da pátria de Emmanuel Macron, ela ganhou o Oscar de Melhor Roteiro Original. É uma trama de tribunal (que faz jus a mestres do filão, como Andre Cayatte e Joel Schumacher) consagrando a alemã Sandra Hüller (de "Toni Erdmann") como uma das atrizes de maior popularidade da Europa. Ela vive uma escritora e tradutora acusada da morte do marido, tendo sua intimidade devassada.

Maior bilheteria de 2023, com US$ 1,4 bilhão de receita, "Barbie" só foi recompensada numa frente, a de Melhor Canção Original, dada a "What Was I Made For?", de Billie Eilish e Finneas O'Connell. Mas sua diretora, a atriz Greta Gerwig, foi escalada para presidir o júri do próximo Festival de Cannes.

Ao cravar o vencedor do Oscar de Melhor Roteiro Adaptado, a Academia jogou holofotes sobre o aríete antirracista "Ficção Americana". Essa comédia rascante virou um dos filmes mais comentados nas redes sociais, ao ser lançado no Brasil, via streaming, na Amazon Prime, sem passar pelas salas de exibição. A direção do cineasta estreante Cord Jefferson (um prolífico roteirista de séries de TV e streaming) se baseia no romance "Erasure", de Percival Everett. O longa trazia consigo o prêmio de júri popular do Festival de Toronto. A produção traz Jeffrey Wright (dublado aqui por Duda Ribeiro) no papel do misantrópico Thelonious Ellison, professor de Literatura e escritor de pouca notoriedade. O boom de romances sobre causas raciais e pautas identitárias fazem com que ele escreva um livro ferocíssimo, fingindo ser um ex-presidiário que investe num relato de autoficção. O êxito de sua fake novel tira sua paz no momento em que ele reconfigura sua vida afetiva.

Coroado com um surpreendente Oscar de Melhor Atriz dado à campeã de bilheteria Emma Stone e com as estatuetas de Melhor Figurino, Maquiagem & Cabelo e Direção de Arte, a fantasia erótica "Pobres Criaturas" combina romance e ficção científica. Brilha sob a direção de Yorgos Lanthimos e a produção da própria Emma, que protagoniza sequências cálidas. Baseada no livro homônimo de Alasdair Grey, referenciando o clássico "Frankenstein", a história se passa na Era Vitoriana e acompanha Bella Baxter (interpretada por Stone), que é trazida de volta à vida após seu cérebro ser substituído por um bebê. O experimento é realizado pelo doutor Godwin Baxter (Willem Dafoe), um cientista eunuco brilhante, porém nada ortodoxo.

Atropelando gigantes como Wim Wenders (e seu "Dias Perfeitos") e Matteo Garrone ("Eu, Capitão"), o inglês Jonathan Glazer venceu com "Zona de Interesse", um estudo (com CEP do Reino Unido) sobre a banalidade do Mal. Seu universo: o campo de concentração de Auschwitz, cartografado a partir de seu coordenador: um oficial da SS. Glazer faz parte da vida da gente, faz tempo, desde os anos 1990, pelo terreno do videoclipe, com lendárias parcerias com Radiohead e Jamiroquai. Nascido em Londres, há 58 anos, ele ganhou o Grande Prêmio do Júri de Cannes pela adaptação do romance de Martin Amis, que morreu quando ele concorria na Croisette. A estatueta de Melhor Som foi dada a esse drama britânico falando em alemão também.

Entre os longas de não ficção, o Melhor Documentário do Oscar 2024 foi "20 Dias em Mariupol", de Mstyslav Chernov, sobre a guerra da Ucrânia, acompanhando ações de médicos, soldados e (sobretudo) vítimas. "É o primeiro Oscar da Ucrânia", disse Chernov. "O cinema cria memória e a memória cria História".

Cheia de moral no mercado, apesar de recentes fracassos (como "Quantumania"), a Marvel foi com sede ao pote do Oscar de Melhor Animação, amparada na popularidade de "Através do Aranhaverso", mas bateu de frente com um monumento autoral chamado Hayao Miyazaki. O diretor japonês de 83 anos já havia sido contemplado com o Globo de Ouro por seu metafísico "O Menino e a Garça" ("The Boy And The Heron"). Repetiu o feito anteontem, no Dolby Theatre. Já em cartaz no Rio, o longa-metragem fez sua primeira exibição mundial no Festival de Toronto, no Canadá, em setembro, e, na sequência, dias depois, abriu o Festival de San Sebastián, na Espanha. Revelado como animador em 1972, com o curta-metragem "O Sol de Yuki", de 1972, Miyazaki já havia sido oscarizado, há 21 anos, por "A Viagem de Chihiro", que rendeu a ele Urso de Ouro de 2002. Seu faturamento está US$ 167 milhões.

Outro dínamo pop japonês atropelou a concorrência: "Godzilla Minus One" levou para a Ásia o Oscar de Melhores Efeitos Visuais. Vence no momento em que o personagem, chamado de O Rei dos Monstros, completa 70 anos de cinema. Aliás, "Gojira" (1954), o

Entre os documentários, o mais falado é "20 Dias em Mariupol", de Mstyslav Chernov, sobre a guerra da Ucrânia. Já entre as animações a guerra vai ser pesada.

Produzido pelo filho de John Lennon e Yoko Ono, 'War Is Over!" conquistou o Oscar de Melhor Curta Animado. A narrativa documental em curta metragem preferida pela Academia foi "A Última Loja de Consertos". Já o Melhor Curta de Ficção em Live Action foi "A Incrível História de Henry Sugar", do badalado Wes Anderson, estrelada pelo Doutor Estranho, o ator Benedict Cumberbatch.

Com o Oscar entregue, a comunidade cinematográfica agora se prepara para o Festival de Cannes, que começa em 15 de maio.

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