Por: Rodrigo Fonseca | Especial para o Correio da Manhã

Encontro marcado com a imagem

'She Came at Night', produção tcheca sobre uma sogra nada pacífica | Foto: Divulgação

Coproduções com nações europeias, "Até que a Música Pare", de Cristiane Oliveira, e "Levante", de Lillah Halla, dão um toque de brasilidade à competição oficial do Bergamo Film Meeting, evento italiano que chega à sua edição de número 42 propondo uma triagem das conexões audiovisuais do Velho Mundo. Há sete títulos na disputa principal, que confere hoje a produção tcheca "She Came at Night", de Tomáš Pavlícek e Jan Vejnar. É a história de um casal que entra num purgatório afetivo com a chegada da sogra em seu lar.

O evento presta homenagens a realizadores como a dinamarquesa Frederikke Aspöck, o sueco Lukas Moodysson e o esloveno Metod Pevec. Em outras latitudes, sua equipe curatorial leva a suas plateias uma coletânea de animações portuguesas. A atração animada desta terça é "Nossa Senhora da Apresentação", de Daniela Duarte, Abi Feijó, Laura Gonçalves e Alice Guimarães. Esse pacote luso traz ainda "Ice Merchants", de João Gonzalez, que concorreu ao Oscar de curtas-metragens, em 2023.

Para contextualizar as novidades do BFM, sua coordenadora geral Annamaria Materazzini (codiretora artística juntamente com Fiammetta Girola) e a coordenadora e curadora de animações Diana Cardani conversa com o Correio da Manhã sobre novos horizontes estéticos.

Como é que o evento testemunhou as transformações do cinema italiano e suas novas vozes autorais?

Annamaria Materazzini: O Bergamo Film Meeting sempre teve uma perspectiva internacional, quer seja na apresentação de novos cineastas autorais ou em retrospectivas. Esse perfil se impôs sobretudo nos seus primórdios, quando muitas cinematografias tinham dificuldade em encontrar visibilidade na Itália, em comparação com o cinema nacional e americano. Atualmente, a situação é mais equilibrada e é muito mais fácil ver filmes de todo o mundo nas salas de cinema. Não temos a pretensão de ter influenciado as tendências do cinema italiano, nem podemos dizer que nos concentramos mais no cinema do nosso país. No entanto, sempre demos espaço a novos autores, tanto italianos como de outros países. Isto permitiu, por vezes, que fizéssemos "descobertas" e dar voz a autores menos "comerciais" ou dar visibilidade a novas formas de linguagem cinematográfica.

Qual é o lugar do cinema de gênero no evento deste ano?

Diana Cardani: Considerando que o BFM é um festival que dá amplo espaço a retrospectivas históricas, para além do novo cinema europeu do presente, é comum termos alguns filmes de gênero no programa. Para o BFM 42, na secção Cult Movie - Walter Matthau, exibimos "Alô, Dolly!", o musical de Gene Kelly de 1969, protagonizado por Walter Matthau e Barbra Streisand, que fará o nosso público rir, mexer-se e cantar. Outro evento especial é a Maratona Sci-fi que, este ano, na próxima sexta-feira, 15 de março, apresenta um filme de ficção científica dos anos 1960, "Além da Barreira do Tempo", de Edgar G. Ulmer, e a quintessência do género slasher, "O Massacre da Serra Elétrica". É um filme que está celebrando os 50 anos de seu lançamento. Além disso, na secção da Mostra Competitiva, podemos ainda encontrar a comédia abrasiva "She Came at Night", dos realizadores checos Tomáš Pavlícek e Jan Vejnar. Sobre este filme, Jan afirmou: "O objetivo era fazer um filme cujo enredo e tema legitimassem plenamente o cenário íntimo e as condições austeras em que foi realizado".

Que oportunidades podem surgir para o Brasil no evento?

Diana Cardani: Nos últimos vinte e cinco/trinta anos (desde que é financiado pela União Europeia), o Bergamo Film Meeting tem-se centrado mais no cinema do nosso continente. No entanto, sempre mantivemos uma janela no programa aberta a produções de fora da UE e o aumento das coproduções internacionais nos últimos anos no permite hoje maior liberdade. Este ano, por exemplo, na competição, podemos apresentar dois filmes coproduzidos e realizados no Brasil ("Até que a Música Pare", de Cristiane Oliveira, e "Levante", de Lillah Halla), o que nos deixa muito satisfeitos.

Que equipe é necessária para realizar o BFM e que orçamento requer um festival como este, sobretudo depois dos percalços enfrentados na pandemia?

Annamaria Materazzini: A equipe do Bergamo Film Meeting é "elástica", no sentido em que existe um núcleo de cinco pessoas que trabalha durante todo o ano no planeamento da edição, com funções criativas (construção de conteúdos e programas) e de gestão (orçamento e administração de recursos humanos). Depois, perto do festival, vão se juntando gradualmente outros colaboradores, consultores artísticos e técnicos. No final, a equipa cresce para cerca de 120 pessoas, às quais se juntam mais ou menos 60 voluntários todos os anos. Atualmente, o festival custa cerca de 400 mil euros por ano, mas sabemos que festivais semelhantes, em toda a Europa, têm orçamentos duas ou três vezes superiores. Ter um orçamento maior poderia nos permitir ter uma equipe maior, a trabalhar durante todo o ano, não só para o festival, mas também para as outras atividades que a nossa associação organiza. Poderíamos também reforçar algumas das nossas atividades, como o marketing e a comunicação. Tanto o festival como os filmes do programa seriam beneficiados. É certo que a pandemia foi um grande problema, tanto em termos de gestão como de economia e de impacto no público. Se pensarmos que o nosso festival só pôde ter lugar numa sala de cinema em 2022, depois da edição cancelada em 2020 e da edição online em 2021, é fácil compreender que a relação com o público se tornou instável em alguns aspectos. No entanto, com tenacidade e dedicação (olhando também para a evolução do mercado, a ascensão das plataformas online, das redes sociais, etc.), estamos a recuperar o tempo perdido. O público, felizmente, está respondendo com paixão.

 

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