Por: Rodrigo Fonseca | Especial para o Correio da Manhã

Bênção, Seu Zé

Zé do Caixão terá seus filmes exibidos durante mostra em Madri | Foto: Divulgação

Embaixador da América Latina no Quinto dos Infernos, o coveiro Josefel Zanatas, mais conhecido como Zé do Caixão, vai assombrar a plateia do Canal Brasil até 1º de abril numa retrospectiva que se candidata, desde já, ao pódio da excelência, na luta pela preservação de nossas memórias. Na triagem de nossos heróis (culturais), seu valor é ainda mais inestimável, dada a relevância do que o criador desse exu audiovisual, o cineasta José Mojica Marins (1936-2020), fez pelo nosso imaginário.

"Mojica é o pai e a maior referência do terror no cinema brasileiro", diz André Saddy, diretor-geral do Canal Brasil e um de seus sócios. "Abriu caminhos para produzir filmes populares de um gênero até então pouco explorado. Filmes que se tornaram cult no Brasil e no mundo. De onde estiver, nosso Zé do Caixão estará certamente rogando uma praga para quem perder esta oportunidade".

Foi em 9 de novembro de 1964, no cine Art-Palácio de São Paulo, que "À Meia-Noite Levarei Sua Alma" fez sua estreia comercial em salas de exibição, demarcando a gênese do cinema (autoral) de terror brasileiro, inaugurando o império simbólico de Marins. Quem quiser ver ou rever essa joia, basta sintonizar a partir de 23h59 no Canal Brasil.

Na sequência, à 1h25, vai rolar "Delírios de um Anormal" (1978), e às 2h50, tem "A Estranha Hospedaria dos Prazeres" (1976). No dia seguinte, à 0h de quinta, é a vez de cópia remasterizada de "O Estranho Mundo de Zé do Caixão" (1968). "Sempre começando à meia-noite, como ele gostaria", diz Saddy.

Trilogia histórica

Realizador, ator, produtor, argumentista, ele ganhou prestígio sob a persona de Zé do Caixão, personagem que o consagrou, importado pelos Estados Unidos, a partir do Festival de Sundance, rebatizado em inglês de Coffin Joe. "Esta Noite Encarnarei no Teu Cadáver" (1967) e "Encarnação do Demônio" (2008) formam uma espécie de trilogia histórica, atropelada pela ditadura militar e problemas políticos do Brasil.

Em meados de 2023, sua obra regressou ao écran com a estreia de "A Praga", um projeto produzido originalmente em 1980, que não chegou a ser concluído e era dado como perdido. O Canal Brasil vai exibi-lo a partir de 1h50 desta sexta. Foi o diretor Eugênio Puppo (fã de Mojica) que resgatou esse filme do limbo.

Sua trama vem de um episódio do programa de televisão "Além, Muito Além do Além", com Mojica, escrito por Rubens Francisco Lucchetti e exibido pela TV Bandeirantes entre 1967 e 1968. Esta primeira versão da história se perdeu em um incêndio na emissora e, em 1980, Mojica decidiu refilmá-la, mas não conseguiu concluir o trabalho.

Após mais de 15 anos empenhado na recuperação das obras de Mojica, Puppo finalmente conseguiu encontrar os rolos de filme originais do projeto, que eram considerados perdidos. Trabalhou na correção de cores e na remasterização sonora, encomendando ainda uma dublagem pra substituir as gravações das vozes originais, que não foram encontradas. Esse processo rendeu um curta e foi incorporado como introito da versão que foi lançada em 2023 nos cinemas, com Zé do Caixão em cena, como narrador.

No enredo, o casal Marina (Sílvia Gless) e Juvenal (Felipe von Rhine) esbarra com uma misteriosa idosa (Wanda Cosmo) durante um passeio pelo campo. Irritada ao ser fotografada pelo rapaz, a velha senhora revela ser uma bruxa e joga uma maldição em Juvenal: uma ferida vai se abrir em seu corpo. O problema: a ferida faz com que ele tenha uma fome insaciável por carne crua.

A forma como Mojica retrata a magia dialoga com um imaginário universal de fantasia. A montagem esbanja inventividade, como tudo o que cerca o Zé do Caixão. Esse reencontro com sua forma de pensar a imagem, com sua poética macabra, reforça o compromisso do Canal Brasil com a diversidade, nas raias da fantasia.

 

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