Por: Rodrigo Fonseca | Especial para o Correio da Manhã

Mathias Glasner: 'Ninguém mais parece ter coragem de fazer filmes sobre adultos'

'Sterben', de Mathias Glasner, mostrou sua força ao ser laureado com o Urso de Prata de Melhor Roteiro no Festival de Berlim | Foto: Divulgação

Ligações e mensagens de whatsapp contínuas mobilizam o celular do alemão Matthias Glasner desde o dia 18, quando seu mais recente longa-metragem, "Dying" ("Sterben" em sua língua natal), foi exibido na disputa pelo Urso de Ouro de 2024. A procura por ele - até de colegas cineastas com quem nunca tivera contato antes - aumentou no último sábado, quando ele foi agraciado com o Urso de Prata de Melhor Roteiro no Festival de Berlim, depois de conquistar a láurea anual do Sindicato de Exibidores de Filmes de Arte da Alemanha e o Prêmio de Júri Popular dos leitores do jornal "Berliner Morgenpost".

Aos 59, o diretor egresso de Hamburgo passou a ser encarado como "A" promessa de uma indústria consagrada, sobretudo nos anos 1970, pelas vozes autorais de Wim Wenders, Volker Schlöndorff, Rainer Werner Fassbinder e Margarethe von Trotta. Recentemente, Maren Ade e Christian Petzold se juntaram a esses medalhões germânicos, que, via Áustria, tiveram Michael Haneke (de "A Fita Branca") como seu expoente. Mas Glasner é reticente com a badalação.

"Não tenho amigos cineastas e não sou muito ligado ao que os alemães fazem no cinema. Não é desrespeito. Primeiro de tudo: eu tenho filhos. Meu tempo é deles. Depois, ando bem mais instigado por experiências fílmicas de outros territórios, como é o caso do cinema japonês. Um outro exemplo é 'Parasita', um filme da Coreia do Sul com muitas camadas. Mas tenho visto minhas conterrâneas fazerem longas de muito rigor estético. A mirada feminina hoje nas telas da Alemanha é muito forte", disse Glasner ao Correio da Manhã, logo após a projeção das três horas e três minutos de sua comédia dramática.

"Sterben" é o nome de uma sinfonia que o maestro Tom Lunies (Lars Eidinger, em devastadora atuação) está ensaiando a partir de uma composição feita por seu melhor amigo, o deprimido Bernard (Robert Gwisdek). Sua vida anda maluca, não apenas com seus amores (entre eles a namorada cheia de desejo, e bem mais jovem), mas também com a ex-mulher, que acaba de ter o filho. Todos acreditam que o regente não é o pai da criança, mas ele a registra apesar de tudo. O chamado da paternidade acontece num momento de loucura em sua família. Sua mãe, a septuagenária Lissy (Corinna Harfouch), parece ficar feliz quando vê seu marido, Gerd (Hans-Uwe Bauer), definhar no hospital, num processo de demência. Mas a sensação de liberdade que ela tem ao "se livrar" dele termina quando ela passa a ser acometida, subitamente, por uma série de problemas: diabetes, insuficiência renal, perda de visão. Um diagnóstico de câncer vem coroar seus infortúnios. Nesse momento de calvário de Lissy, sua filha, Ellen (Lilith Stangenberg), engata um caso com um dentista casado com quem partilha a paixão pelo álcool e pela embriaguez. Nessa ciranda nefasta, essas pessoas terão de reaprender a se amar.

"Eu fiz um filme sobre a solidão, com base na rotina de pessoas que se sentem desconfortáveis com várias questões pessoais. Eu mesmo sinto desconforto com o processo do cinema, menos com o set em si. Meu empenho aqui era quebrar com as ditas convenções do cinema alemão, de narrativas frias e afetivamente distanciadas, e fazer um filme empático, acolhedor, capaz de mostrar que a antessala de espera pela morte pode ter situações divertidas", disse o cineasta, que fala com bom humor dos critérios da escalação de Eidinger. "Eu não o conhecia antes, mas gostei do modo com que ele se expressa em entrevistas, do que fala. Fora isso, quando a gente se conheceu, percebi que ele não é daquelas pessoas que cultuam um otimismo tolo. Não se levanta comemorando a vida. Assim como eu, ele fala: 'Oh! Mais um dia pela frente'. Filmamos coisas muito malucas, a partir dessa conexão. Algumas, mais barra pesada, não entraram na versão exibida na Berlinale, mas vão para a versão para a TV, em forma de minissérie, com uma hora a mais, que eu estou preparando".

Conhecido por filmes como "O Desejo Liberado" (2006) e por séries como "Das Boot", Glasner começou sua carreira em 1987, em busca de tramas que escapem do moralismo.

"Hoje ninguém mais parece ter coragem de fazer filmes sobre adultos, para adultos", disse o cineasta. "Eu liguei duas câmeras, deixei minhas atrizes e meus atores de 'Sterben' criarem com liberdade e, às vezes, a verdade aparecia num take único. Tive ainda a alegria de poder deixar cinco minutos de música clássica, sem cortes, na tela".

 

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado.