Por: Rodrigo Fonseca | Especial para o Correio da Manhã

Embalos renovados

Fenômeno que fez de John Travolta um ícone pop, os Embalos de Sábado à Noite" regressa ao circuito no exterior, celebrando os 70 anos do ator | Foto: Divulgação

Ao organizar uma mostra sobre o Cinema Novo dos Estados Unidos, praticado de 1967 a 1981 e chamado de Nova Hollywood ou Easy Rider Generation, a sala de projeção alemã Babylon, no coração de Berlim, trouxe o menu habitual do período ("Sérpico", "Tubarão", "All That Jazz"), mas convocou um título nem sempre lembrado nas antologias históricas daqueles anos: "Os Embalos de Sábado À Noite".

Rodado no Brooklyn, sintonizado com a vida noturna de Nova York, o longa-metragem de 1977 custou US$ 3,5 milhões e faturou espantosas cifras (US$ 237 milhões) mundo afora. Sua gênese: um artigo da revista "New York" chamado "Tribal Rites of the New Saturday Night", de Nik Cohn. Cinematecas de diferentes partes do mundo têm dado espaço a esse fenômeno em suas grades, celebrando o fato de o LP da trilha sonora, com hits dos Bee Gees, foi o álbum mais vendido na indústria fonográfica da estreia do filme até 1983, o ano de "Thriller". O motivo principal desse resgate: os 70 anos de John Travolta, seu astro.

"Quase que sem querer, eu acabei aparecendo em filmes que mudaram a maneira como as pessoas encaram a dramaturgia cinematográfica. É bom fazer filmes que tiveram relevância", disse Travolta, numa masterclass que ministrou no Festival de Cannes, em 1978.

Recentemente, o ator chamou a atenção da crítica com sua participação em "O Pastor", filme de Natal da Disney . Prepara-se para voltar ao circuito com "Cash Out", mas nem de longe é capaz de arranhar a popularidade que alcançou na década de 1990, depois de viver Vincent Vega (e dançar Twist), sob a direção de Quentin Tarantino, em "Pulp Fiction" (1994).

Até 2001, ele emplacou mais uma série de sucessos, a se destacar "A Outra Face" (1997), de John Woo. O êxito daquele momento foi quase tão grande quanto a coqueluche que ele produziu na Era Disco, no papel de Tony Manero. Chegou a ser indicado pelo papel, em "Os Embalos...", graças aos movimentos de dança que desafiam a gravidade. No fim de semana, o Babylon ia à loucura ao rever seu rebolado. No Brasil, a dublagem do filme, gravada na Herbert Richers, com Mario Jorge Andrade a emprestar a voz ao astro, popularizou ainda mais a cruzada marxista cheia de rebolado de Manero.

"Neste momento em que Hollywood ficou dependente de tramas baseadas em HQs, um filme de abordagem adulta sobre as ruas de uma metrópole, como aquele que fizemos não seria aprovado, contudo, no fim dos anos 1970, o nível de realismo que criamos encantava as plateias", contou o diretor do longa, John Badham, em entrevista ao Correio da Manhã em Cannes, na celebração dos 40 anos de seu clássico. "A essência realista que buscamos chegava ao ponto de que todas as roupas usadas no filme tinham de ser peças facilmente encontráveis nas lojas das regiões retratadas no filme".

Dono de uma vasta carreira na TV, em séries como "Arrow", Badham renovou seu prestígio depois, com "Jogos de Guerra" (1983) e "Tocaia" (1987). Na época das filmagens da saga de Manero - um vendedor de família pobre que brilhava nas pistas das discotecas -, Travolta não era bom no requebrado. Mas foi devidamente treinado para bailar e a câmera zanzava em torno de seu personagem como se a equipe de som e de fotografia estivesse fazendo um documentário, de câmera na mão.

Exibições recentes do longa em telona realçam a qualidade da produção e provam o quanto a forma de Travolta era sintonizada com o ethos daquele momento de virada comportamental nos Estados Unidos, numa fase pré-Aids.

Não por acaso, o cineasta francês François Truffaut (1932-1984), que acabara de atuar em "Contatos Imediatos do Terceiro Grau" (1977), viu o filme de Badham e disse: "Esse Travolta é a face do amanhã".

Apesar dos muitos fiascos em sua trajetória, o eterno Manero segue mítico.