Por: Rodrigo Fonseca | Especial para o Correio da Manhã

Urso de Ouro anticolonialista

Cidade Campo, de Juliana Rojas | Foto: Divulgação

Sob as bênçãos dos orixás, "Dahomey", um documentário de 68 minutos feito entre o Benin, o Senegal e a França, pela atriz e cineasta Mati Diop, conquistou o Urso de Ouro, de 2024, no sábado, em meio à comemoração do cinema brasileiro pela vitória da cineasta paulista Juliana Rojas. No desfecho da 74ª Berlinale, a realizadora de "O Duplo" ganhou o prêmio de Melhor Direção da mostra paralela Encontros, por "Cidade; Campo".

A cerimônia encerra a gestão da equipe curatorial de Mariette Rissenbeek e Carlo Chatrian, que dão lugar a uma nova direção artística, a ser comandada por Tricia Tuttle. Coube à atriz queniana Lupita Nyong'o guiar o júri da competição oficial, em conversas com um time formado pela diretora Ann Hui (Hong Kong/ China), o ator e realizador Brady Corbet (EUA), o cineasta Albert Serra (Espanha), a atriz e realizadora Jasmine Trinca (Itália) e a poeta Oksana Zabuzhko (Ucrânia). Esse coletivo saudou a invenção latino-americana ao premiar o originalíssimo experimento colombiano "Pepe", ao dar o Urso de Prata a seu realizador, Nelson Carlos De Los Santos Arias. Mas o apogeu da festa foi a vitória de Mati, que coroa uma das safras mais diversas que países africanos já tiveram no Festival de Berlim. "Meu empenho com 'Dahomey' é expor as ramificações do colonialismo e apontar onde a violência é praticada", disse Mati ao Correio da Manhã.

Laureada em 2019 com o Grande Prêmio do Júri de Cannes de 2019 por "Atlantique" (lançado no Brasil via Netflix), Mati dá uma aula de geopolítica em "Dahomey, trilhando caminhos de fantasia. Seu roteiro é estruturado como a cartografia do tráfego de uma série de relíquias beninenses, surrupiadas por colonizadores europeus, de volta ao lar. Uma dessas peças, uma estátua chamada de Número 26, é quem narra a rapinagem histórica sofrida por populações da África, como se fosse uma entidade.

"É preciso restituir para reconstruir", disse Mati, ao falar do papel estratégico de sua narrativa.

É estratégica também a dimensão ética (e estética) de "Cidade; Campo" no apagamento das feridas conservadoras deixadas pelo governo Bolsonaro. Classificado pela imprensa do velho Mundo como "triagem de perseveranças femininas pilotada", o longa de Juliana Rojas é apoiado numa atuação coruscante de Bruna Lynzmeyer, Mirella Façanh e Fernanda Vianna. É uma trama bifurcada: de um lado, uma mulher migra para São Paulo; do outro, um casal se muda para uma área rural. A mostra na qual ela foi laureada - Encontros - teve como vencedor "Direct Action", de Guillaume Cailleau e Ben Russell. É um .doc sobre ativistas na França. "Fazer esse filme uma das experiências mais desafiadoras da minha vida", disse Juliana, antes de agradecer uma de suas produtoras, Sara Silveira, pela coragem.

Representado em várias seções do evento, além de "Cidade; Campo", o Brasil ganhou a menção especial da Mostra Generation para um curta-metragem vindo das Gerais: "Lapso", de Caroline Cavalcanti. Em sua trama, adolescentes egressos da periferia de Belo Horizonte (MG), acusados de vandalismo, cumprem medidas socioeducativas a partir das quais passam a compartilhar afetos e incerteza diante da dureza dos dias, da repressão e do esquecimento do sistema. O evento coroou com o Prêmio da Crítica uma trama multinacional que se passa em terras brasileiras e tem Kleber Mendonça Filho e Emilie Lesclaux (de "O Som ao Redor") como coprodutores: "Dormir De Olhos Abertos", de Nele Wohlatz, exibida na seleção Encounters.

Encerrada a agitação berlinense, o cinema volta suas atenções para o Festival de Cannes, que abre suas alas no dia 15 de maio, na França, possivelmente com "Furiosa", de George Miller.

 

PREMIAÇÃO DA BERLINALE 2024

URSO DE OURO: “Dahomey”, de Mati Diop
GRANDE PRÊMIO DO JÚRI: “A Traveler’s Needs”, de Hong Sangsoo
PRÊMIO DO JÚRI: “L’Empire”, de Bruno Dumont
MELHOR DOCUMENTÁRIO: “No Other Land”, de Basel Adra, Hamdan Ballal, Yuval Abraham e Rachel Szor (Palestina), com menção especial para “Direct Action”, de Guillaume Cailleau, e Ben Russell
PRÊMIO ENCOUNTERS: “Direct Action”, de Guillaume Cailleau e Ben Russell
PRÊMIO ENCOUNTERS DE MELHOR DIREÇÃO: Juliana Rojas (“Cidade; Campo”)
CURTA-METRAGEM: “Un Movimiento Extraño”, de Francisco Lezama
PRÊMIO ESPECIAL DE CURTA: “Remains of a Hot Day”, de Wenqian Zhang
DIREÇÃO: Nelson Carlos De Los Santos Arias (“Pepe”)
MELHOR INTERPRETAÇÃO EM PAPEL PRINCIPAL: Sebastian Stan (“A Different Man”)
MELHOR INTERPRETAÇÃO EM PAPEL COADJUVANTE: Emily Watson (“Small Things Like These”)
ROTEIRO: Matthias Glasner (por “Dying”)
CONTRIBUIÇÃO ARTÍSTICA: Martin Gschlacht, pela fotografia de “The Devil’s Bath”
MELHOR FILME DE ESTREIA: “Cu Li Never Cries”, de Pham Ngoc Lan
PRÊMIO DA ANISTIA INTERNACIONAL: “The Stranger’s Case”, de Brandt Andersen
PRÊMIO DA CRÍTICA: “My Favourite Cake”
TEDDY: “All Shall be Well”, de Ray Yeung
PRÊMIO DO JÚRI ECUMÊNICO: “My Favourite Cake”
JÚRI POPULAR: “Memorias De Un Cuerpo Que Arde”, de Antonella Sudasassi Furniss (Costa Rica) e “No Other Land”

 

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