Por: Rodrigo Fonseca | Especial para o Correio da Manhã

O clique do Urso

Abderrahmane Sissako | Foto: Jens Koch/Divulgação Berlinale

Cada dia que o público - o alemão e o de outros países- passava pelo Berlinale Palast, nos dias do festival mais famoso da Alemanha, realizado em sua capital, uma galeria de fotografia era armada nas paredes do espaço com cliques nada convencionais de celebridades como Gael García Bernal, Isabelle Huppert, Bérénice Bejo, Adam Sandler e o favorito ao Oscar de Melhor Ator de 2024, o irlandês Cillian Murphy.

O astro de "Oppenheimer", que abriu a maratona germânica à frente de "Small Things Like These", foi fotografado fazendo um gesto inusitado com a mão. Já Martin Scorsese, ganhador do Urso de Ouro Honorário, fez uma careta engraçada para a câmera.

Nas imagens do júri, Lupita Nyong'o, estrela oscarizada por "12 Anos de Escravidão" (2013), saiu austera. A beleza que se encontra nessas fotos é resultado da depuração estética de Jens Koch, um alemão de 42 anos que virou o retratista oficial da Berlinale quando a equipe curatorial de Mariette Rissenbeek e Carlo Chatrian, assumiu, há quatro edições.

A curadoria muda a partir de 2025, mas Koch tem tudo para ficar. Afinal, cada vez que o festival berlinense chega ao fim, a pergunta mais repetida por jornalistas e convidadas/os é: que fim terão os estonteantes retratos das celebridades que passaram pela disputa oficial, pelo júri ou por mostras paralelas?

"A chave desse trabalho é saber enquadrar atitudes, não rostos. Existe um instante em que a pessoa se solta e te oferece o ângulo exato, numa posição inesperada. A foto vem daí", disse Jens, ao Correio da Manhã, num papo anterior à 74ª edição da Berlinale começar.

Sua dinâmica de trabalho: correria pura. Ele espera os convidados mais esperados do festival se posicionarem no Hotel Hyatt, que fica ao lado da Berlinale Palast, convida cada um para um pequeninho estúdio improvisado numa das alas da luxuosa hospedaria. Lá, tem minutos para estruturar a luz precisa, ajeitar o obturador de sua câmera e clicar, contando com a disposição de cineastas veteranos, como o mauritano Abderrahmane Sissako e o francês Olivier Assayas, ou talentos de novas gerações, como a franco-senegalesa Mati Diop ou a italiana Margherita Vicario. Na sequência, as imagens que faz são enviadas para tratamento de cor e para impressão, em forma de painéis gigantes.

"Quando eu tinha uns 16 anos, eu entrei de penetra no tapete vermelho de Berlim, todo abusado, a fim de conseguir umas fotos, e vi George Clooney e Leonardo DiCaprio passando ali. Na sequência, virei fotojornalista, totalmente na prática, sem curso, e sem ambições de um dia trabalhar com cinema. Há quatro anos, entrei nesse cargo da Berlinale, sem qualquer olhar prévio acerca da luz ou de enquadramento, atento apenas à boa sorte que a iluminação pode me trazer num instante, num acaso", disse Koch, que não tem tempo de conferir os longas das estrelas e cineastas que retrata. "O tempo é cronometrado aqui, no corre-corre, e eu gosto de me entregar com calma e respeito ao que vou assistir no cinema. Em algum momento, eu consigo ver tudo".

Em seu histórico de trabalho, Jens tem uma história de fazer inveja às narrativas que brigam pelo Urso de Ouro: em 2010, ele e um colega jornalista, Marcus Hellwig, passaram quatro meses presos no Irã, sob ameaça de uma pena maior, por terem entrado naquele país com o visto de turista e não o de repórter, para fazerem uma entrevista que não desceu bem nas autoridades iranianas. Mas eles acabaram sendo soltos.

"Falo desse episódio com calma agora, mas foi um pesadelo à época", diz o fotógrafo, que arrancou poses despojadas de artistas militantes nas causas humanistas, como Lena Dunham e Stephen Fry, consagrando-se como um ás do clique.

 

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