Por: Rodrigo Fonseca | Especial para o Correio da Manhã

Prata da casa

'Sterben' é o único título alemão com força para dar o Urso de Ouro a seu país | Foto: Divulgação

Estudo sobre a deterioração de uma família, na doença e no desarranjo sentimental, "Sterben" (cujo título internacional será "Dying"), dirigido por Mathias Glasner, cum cineasta egresso de Hamburgo, foi um dos poucos filmes alemães em toda a 74ª Berlinale a ser aclamado nas mais diversas línguas e saudado como um achado da curadoria.

Construído num limite quase azedo de comédia e drama, seu roteiro fala de um maestro (Lars Eidinger) cuja mãe entra em estado crítico de saúde no momento em que ele ensaia o que pode se tornar sua maior sinfonia.

Não é o único representante "da casa" na competição pelo Urso de Ouro de 2024, uma vez que "From Hilde, With Love", do veterano Andreas Dressen, está no páreo, recriando a resistência os nazistas.

Há ainda uma coprodução com a Áustria, "The Devil's Bath", de Veronika Franz e Severin Fiala. Mas só Glasner colou no gosto popular, e isso no momento em que a Alemanha está na disputa pelo Oscar de Melhor Filme Internacional, com "A Sala dos Professores", de Ilker Çatak. Mais curioso ainda: a última vez que um longa-metragem germânico ganhou o troféu principal do Festival de Berlim foi há exatamente 20 anos: "Contra a Parede", de Fatih Akin, que é parcialmente turco.

"Eu não sou muito ligado em filmes alemães, não por desrespeito, e não por desvalorizar uma tradição local, mas porque tenho mais curiosidade pelos filmes que nos chegam vindos de outros territórios", disse o próprio Glasner ao Correio da manhã.

"Os últimos grandes filmes alemães que eu vi foram dirigidos por mulheres. Há uma fase forte de grandes diretoras".

"Transtorno Explosivo", de Nora Fingscheidt, e "Eu Estava Em Casa, Mas...", que rendeu o Urso de Prata de Melhor Direção à diretora Angela Schanelec, em 2019, integram esse bloco forte de títulos pilotados por realizadoras alemãs.

Integre nesse bonde a veterana Margarethe Von Trotta. Ela atraiu holofotes no festival do ano passado com "Ingeborg Bachmann - Jornada Pelo Deserto ("Ingeborg Bachmann - Reise in Die Wüste"), exibido na Mostra de São Paulo de 2023.

É sempre bonito ver a diretora de "Hanna Arendt" (2012) cartografar as vozes femininas que desafiaram o sexismo na Filosofia ou, no caso de seu novo filme, na Literatura. Notável e carismática, Ingeborg Bachmann (a brilhante Vicky Krieps) conquistou espaço no mundo predominantemente masculino da literatura alemã com sua poesia.

Ainda jovem, ela está no auge da carreira quando conhece o famoso dramaturgo Max Frisch. Os dois se apaixonam, até que conflitos pessoais e profissionais começam a perturbar a harmonia do casal.

Mais badalado realizador alemão do presente, Christian Petzold (de "Undine") faz parte do time de juradas e jurados deste ano. Ano passado, ele saiu da Berlinale com o Grande Prêmio do Júri por "Afire".

Em 2022, a Alemanha conseguiu um bom destaque na Berlinale graças ao já citado Dressen, com "Rabiye Kurnaz vs. George W. Bush", exibido em solo brasileiro pelo Telecine. Laureado com os prêmios de Melhor Roteiro e Melhor Atriz na Berlinale, o longa de Dresen carrega toda a elegância de um certo academicismo de sua pátria no audiovisual.

Misto de drama e thriller judicial, esse longa bota a plateia no bolso à força de uma personagem que lembra Regina Casé em "Que Horas Ela Volta?" (2015): a mãe devotada a Rabiye.

De origem turca, ela revira o governo alemão de baixo pra cima a fim de buscar a ajuda necessária para libertar seu filho de Guantanamo, onde foi preso injustamente logo após o 11 de Setembro. Meltem Kaptan é a atriz que vive Rabiye, esbanjando doçura e humor, mas sem abrir mão do som e da fúria inerentes ao instinto materno. Ela dispara aqui na lista de apostas para prêmios, ainda que o filme seja bastante convencional em sua narrativa, lembrando um bocado "Philomena" (2013), de Stephen Frears.

Quem sabe neste sábado "Sterben" não muda o placar da Alemanha.

 

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado.