Por: Rodrigo Fonseca | Especial para o Correio da Manhã

Abderrahmane Sissako: 'Existem muitos clichês sobre a África, sobretudo o vitimismo'

| Foto: Divulgação

Às vésperas de a 74ª Berlinale terminar, a obra do realizador mauritano Abderrahmane Sissako ganha evidência nas rodas cinéfilas alemãs e nas especulações acerca dos possíveis nomes que serão citados, neste sábado, na cerimônia de premiação do evento. Aos 62 anos, o premiado realizador de "Esperando a Felicidade" (2002) dispara entre os favoritos ao Urso de Ouro com "Black Tea".

Originalmente chamado de "La Colline Parfumee", a love story egressa da Mautitânia dá o ar de seu romantismo e de sua potente investigação antropológica num ano de forte presença de países africanos no evento. O filme anterior dele foi indicado ao Oscar, em 2015: "Timbuktu". Em seu novo experimento autoral, ele fala de amores (amor carnal; amor paterno; amor pela pátria) em meio à opressão da xenofobia. A trama começa do momento em que uma jovem, na Costa do Marfim, diz "Não!", em sua cerimônia de casamento, e se muda para Guangzhou, na China, em busca de reinvenção pessoal. Uma loja de chá vai funcionar como seu microcosmos. Porém, o contexto cultural de racismo será o maior adversário da protagonista, Aya, vivida por Nina Mélo.

Na entrevista a seguir, Sissako explica ao Correio da Manhã que ranços coloniais assombram o mundo que ele filma.

Existe uma sequência devastadora em "Black Tea", num jantar, em que o racismo é exposto de forma direta. Como foi a estruturada a abordagem da intolerância racial no roteiro?

Abderrahmane Sissako: É um foco geracional. Há um jovem chinês que refuta o racismo dos mais velhos. Era delicado operar a questão do racismo numa trama com chineses, para não associar a intolerância a eles, como povo. Mas é fato: os africanos foram rejeitados durante toda a História. A tal sequência do jantar é uma explosão que nos mostra a reação juvenil. O futuro pode ser melhor. Eu acredito no ser humano.

De que Áfricas o senhor fala em "Black Tea"?

Das mulheres. É um olhar sobre mulheres que buscam a liberdade. Existem muitos clichês sobre a África, sobretudo o vitimismo. Meu empenho aqui é driblar esses clichês.

Nessa trança com a China, passando ainda por Cabo Verde, que fantasmas coloniais o senhor encontra?

A injustiça é a maior sequela do colonialismo e a forma que nós, como continente, podemos reagir é refutar o controle e entender que medidas geográficas podem ser redutoras se aplicadas a pessoas, sobretudo num território de onde as pessoas, historicamente, imigram.

Existem sequências exuberantes em "Black Tea", sobretudo as imagens dos campos de plantação de chá. Como sua fotografia foi estruturada?

Eu queria trabalhar com um fotógrafo que viesse da Ásia, mas acabei encontrando um francês que morou dez anos na China e fala mandarim; Aymerick Pilarski. Fechei com ele não por sua intimidade com o chinês, mas pela força visual de seu trabalho. O cuidado principal que tenho nos filmes é alimentar a imaginação da plateia. A partir dela, tento investir numa construção de empatia.

 

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