Por: Rodrigo Fonseca | Especial para o Correio da Manhã

Monastério da experimentação

'Abiding Nowhere', o novo experimento do diretor malaio Tsai Ming-liang | Foto: Divulgação

Celebrizado nos anos 1990 por "Vive L'Amour" (ganhador do Leão de Ouro de Veneza em 1994) e "O Buraco" (Prêmio da Crítica de Cannes em 1998), o cineasta malaio radicado em Taiwan Tsai Ming-liang hoje não se aventura mais por estruturas narrativas que não se alinhem a pesquisas formais.

Aos 66 anos, ele volta à Berlinale que consagrou seu recente "Dias" com o troféu queer Teddy para exibir "Abiding Nowhere", projeto audiovisual anfíbio com um pulmão a respirar cinema e outro a expirar videoarte.

É um longa-metragem de 79 minutos rodado nos Estados Unidos com base num projeto on the road de essência metafísica do multiartista.

"Não sou mais jovem, percebo ser incapaz de ter a força para rodar certos planos que fazia no passado, mas sinto que meu interesse hoje se concentra em gestos que desindustrializem o cinema, ocupando a tela grande", disse Tsai ao Correio da Manhã, meses antes de finalizar "Abidinhg Nowhere", ao ser premiado com o Leopardo de Ouro Honorário do Festival de Locarno, na Suíça. "Existem muitos novos suportes de projeção e recepção de narrativas. A feitura de experiências em realidade virtual é um terreno que me mobiliza hoje. Mas o meu foco é a sala de exibição".

Um outro cult de sua carreira, "O Sabor da Melancia" (2005), está em projeção no festival alemão, na Berlinale Classics, em cópia nova, num gesto de preservação de sua memória, que flutua por espaços metafísicos em "Abiding Nowhere".

Muso do cineasta, Lee Kang-Sheng passa todo o tempo do novo filme de seu realizador cativo a trafegar por Washington, a partir de um mergulho num rio, em área silvestre, onde imerge, emerge e flutua. Sua cabeça rapada e sua túnica rubra humilde lhe dão um perfil de monge. Sem palavras, atento ao esplendor da Natureza numa comunhão quase espiritual com ela, o sujeito entra na estação de trens, adentra uma igreja e passeia por um museu. Outro estranho (vivido por Anong Houngheuangsy) também se desloca pela cidade. Não sabemos se ele está ou não a seguir o caminhante, mas traça seu próprio trajeto, numa caminhada imbuída de um senso de autodescoberta. (R.F.)

 

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