Por: Rodrigo Fonseca | Especial para o Correio da Manhã

Inadelsso Cossa: 'A memória moçambicana está ameaçada'

Cossa: 'Há que se aceitar o passado e se conversar sobre ele' | Foto: Rodrigo Fonseca

 

Raramente visto nas grades dos grandes festivais de cinema do mundo, Moçambique se faz notar - e brilhar - na 74ª Berlinale à força de um experimento nas raias entre o ensaio poético e o documentário chamado "As Noites Ainda Cheiram A Pólvora". É um estudo sobre o esquecimento, com base em relatos de quem vivenciou perdas nas guerras coloniais e guerras civis. Sua narrativa é pilotada por um montador que já fez publicidade e programas de televisão chamado Inadelso Cossa. Com base nas falas de seus familiares, ele expõe as entranhas de sua pátria.

Na entrevista a seguir, Inadelsso conta ao Correio da Manhã que cicatrizes ainda ardem fundo no imaginário de seu povo.

De que maneira a vivência de seus familiares e relatos bélicos da História de Moçambique são estruturados na dramaturgia de "As Noites Ainda Cheiram A Pólvora"?

Inadelsso Cossa: Há que se aceitar o Passado, antes de tudo, e, na sequência, há que se conversar sobre ele, para se entender que um dos nossos piores problemas é uma identidade mal resolvida. Minha avó é uma prova disso. Ela quer esquecer o que se passou na guerra civil, mas não consegue. É necessário partir das lembranças, como as delas, para mergulhar fundo num conflito que deixou uma legião de aleijados e mortos. Mas Moçambique vive hoje doente de Alzheimer. A falta de incentivos para que se criem histórias no meu país leva a um processo de esquecimento. A memória moçambicana está ameaçada por um genocídio de nossas recordações

Qual foi o episódio mais chocante que descobriu nas filmagens?

A morte do meu avô, numa mina explosiva. Minha avó viu ele se ferir, acompanhou seu padecimento e estava a seu lado quando ele morreu. Mas eu não mostro violências assim. Um filme não se torna cinema pelo impacto, mas, sim, por suas entrelinhas. Ao rever um conflito que foi de 1972 a 1994, a deixar famílias dilaceradas, o que eu busco são as histórias não contadas. O filósofo moçambicano Severino Ngoenha tem uma fala que me ajuda muito a refletir sobre isso: "Somos nós a fazer histórias ou somos feitos pelas histórias dos outros".

Mas é fácil "fazer histórias", ou seja, fazer cinema, na indústria audiovisual moçambicana de hoje?

Vivemos de projetos, com salários de temporadas, sem uma perspectiva de aposentadoria. Tenho uma produtora no meu país, mas eu vivo em Lisboa. Trabalho como montador, presto consultoria. Sobrevivo assim.

Um dos realizadores moçambicanos mais conhecidos no mundo tem lar no cinema brasileiro: Ruy Guerra. O que conhece da obra dele?

Por meio dele, com seu cinema atrevido e ousado, muitos jovens diretores de Moçambique tiveram um caminho para filmar, uma vez que ele fez um trabalho forte como professor também.

 

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