Por: Rodrigo Fonseca | Especial para o Correio da Manhã

Ao mestre, com carinho

Em alta com seu 'Assassinhos da Lua das Flores', o veterano realizador Martin Scorsese é recebido com pompa e circunstância na 74ª edição da Berlinale | Foto: Divulgação Berlinale

Apesar da torcida organizada em torno do inglês Christopher Nolan (e seu "Oppenheimer") e de uma aposta cada vez mais crescente na francesa Justune Triet (e seu "Anatomia de uma Queda"), Martin Scorsese tem chance - e muita - de levar o Oscar de Melhor Direção de 2024 para sua casa, dado o sucesso de "Assassinos da Lua das Flores", hoje na Apple TV. A Berlinale demonstra ter plena confiança nele, a julgar pelo circo midiático criado para receber o realizador de 81 anos esta noite, numa cerimônia que culmina com a entrega do Urso de Ouro Honorário como gesto de gratidão a todo o esplendor de sua obra. Nos últimos anos, Steven Spielberg, Helen Mirren, Charlotte Rampling, Isabelle Huppert e Willem Dafoe foram agraciados com tal troféu. Após a láurea ser confiada ao cineasta, Berlim projeta um de seus mais rentáveis sucessos de bilheteria: "Os Infiltrados", pelo qual ele foi oscarizado em 2007.

Na quarta, será exibido o cult "Depois de Horas", que ganhou o Prêmio de Melhor Realização em Cannes, em 1985. Em paralelo, "Assassinos da Lua das Flores" segue firme e forte nos debates da Cinemateca de Berlim e no streaming alemão.

Lá se vão 15 anos desde que Scorsese abriu o Festival de Berlim de 2008 com "Shine a Light", documentário sobre os Rolling Stones. Faz mais tempo ainda desde que ele concorreu ao Urso de Ouro. Foi indicado ao prêmio em 1992, com "Cabo do Medo". Nesta terça, quando o diretor passar pela capital alemã, uma vez mais, parte das histórias que viveu nessas duas ocasiões virão à tona, a coroar su consagração e ampliar a campanha pela vitória de "Assassinos da Lua das Flores".

Seu êxito comercial é incontestável: o filme faturou US$ 156 milhões. Sua narrativa traz um novo colorido para a filmografia de um artista coroado com a Palma de Ouro, em 1976, por "Taxi Driver". Um artista que não para.

Celebrizado nas veredas da violência por meio de tramas de máfia, centradas na sociologia de uma América suburbana, Scorsese está prestes a fazer um (novo) filme sobre a vida de Jesus, 36 anos depois de "A Última Tentação de Cristo" (1988). Entra nessa nova empreitada em meio à colheita de prêmios por sua triagem sobre a exclusão praticada contra a civilização Osage nos EUA. O mais recente longa do diretor de "Os Bons Companheiros" (1990) é uma adaptação ousadíssima, de três horas e 26 minutos, do livro de não-ficção "Killers of the Flower Moon: The Osage Murders and the Birth of the FBI", do jornalista americano David Grann. É um tratado histórico contra a intolerância. Dois musos da obra do diretor unem seus talentos em cena: Leonardo DiCaprio e Robert De Niro.

Ganhador do Oscar por "A Baleia" (2022), Brendan Fraser tem uma participação luminosa no terço final de "Assassinos da Lua das Flores", que teve uma exibição em tela grande em maio, no Festival de Cannes. A montagem de Thelma Schoonmaker (sempre exuberante em sua esgrima com a mesa de edição) equilibra tensão, conspirações políticas, melodrama e confronto de culturas. É nesse último aspecto que Lily Gladstone mais se destaca em cena.

Numa mistura de melancolia e resiliência, a personagem dela ilumina a trama fotografada por Rodrigo Prieto. Proustiano, Scorsese busca um tempo perdido quando os Osage ficam ricos com a descoberta de combustível fóssil (petróleo) em suas terras, no início do século XX, logo após a I Guerra. Nos anos 1920, em Oklahoma, eles passam a ser manipulados por um senhor feudal fora de época, chamado de "Rei", o poderoso William Hale (De Niro, em magistral atuação). Precisando de alguém de confiança para garantir que nenhum Osage passe do ponto, matando-os se preciso for, Hale dá emprego de motorista (e de faz-tudo) para seu sobrinho, Ernest, vivido por um Leonardo DiCaprio maduro, com ares de Burt Lancaster. No flerte com os indígenas que deve vigiar, eliminando alguns, Ernest se casa com uma herdeira dessa população, Mollie, papel de Gladstone. Mollie ficou rica, mas padece de diabetes, sem conseguir dar conta do mal-estar que sente. Padece também da dor diante das mortes de seus conterrâneos. O amor de Ernest é um alívio pra ela, mas será, mais adiante, um caos. É o que se passa quando ela percebe que seu companheiro está ligado a crimes de ódio. As confusões de Ernest acabam num tribunal, num julgamento em que todas as imposturas dos EUA entram no banco dos réus.

A Berlinale 2024 termina no domingo.

 

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