Por: Rodrigo Fonseca | Especial para o Correio da Manhã

A idade da razão

Nicholas Philibert: 'O filme em si é a pesquisa' | Foto: Divulgação Berlinale

Um ano depois da conquista do Urso de Ouro com o .doc "No Adamant", Nicolas Philibert dá um novo (e mais ousado) passo em sua expedição ao terreno da clínica psiquiátrica no Velho Mundo com o delicado "Averroès & Rosa Parks", primeiro achado do garimpo da não ficção da Berlinale 2024. O diretor francês, nascido em Nancy há 73 anos, fez fama com experimentos pautados pela inclusão, como "O País dos Surdos" (1992). Ele faz jus à sua trilha autoral aberta há cinco décadas com seu novo filme, debruçado sobre uma prática de tratamento calcada em técnicas de entrevista (e menos apoiada em ansiolíticos). A ideia é fazer os pacientes falarem sobre o que os acossam e os angustiam, destacando também suas alegrias e seus desejos.

"A sociedade nos julga pela visibilidade que temos, o que me leva a buscar espaços para gestos de acolhimento que não têm visibilidade na mídia", disse Philibert ao Correio da Manhã, na época das filmagens de "Averroès & Rosa Parks", logo após sua vitória em terras e telas da Alemanha. "Minha maior alegria com o Urso dourado é saber o quanto o troféu pode vir a favorecer a carreira de outros projetos de não ficção ao provar que o formato documental tem chance de conquistar um prêmio tradicionalmente atribuído às narrativas ficcionais

O êxito mundial de "Sur L"Adamant" - título original da produção que melhor coroou sua estética - ampliou o interesse do planisfério cinéfilo por seu olhar sobre as contradições do real. Nele, Philibert nos leva até uma estação fluvial de atendimento clínico a pacientes com distúrbio psiquiátricos, que flana pelas águas do Sena. Na passagem por Berlim, no ano passado, o longa ganhou ainda uma menção honrosa do Júri Ecumênico, formado por instituições cristãs de cunho humanista. "Averroès & Rosa Parks" integra a seção paralela berlinale Special, mas tem fortes chances de sair dela com o Prêmio de Melhor Documentário.

"Não me pauto em pesquisa, pois não chego à locação com o filme pronto. O filme em si é a pesquisa, pois eu não quero conceitos prévios, não quero filmar o que eu já sei e não quero impor qualquer conceito intelectual que eu tenha ao universo que busco conhecer", explicou Philibert.

Conhecido no Brasil pelos .docs "Ser e Ter" (2002) e "Cidade Louvre" (1990), ele passou ao posto de diretor há cerca de 45 anos, ao filmar "La Voix De Son Maître", ouvindo executivos em posição de chefia em grandes empresas. Nos 37 projetos que filmou na sequência, ele se pautou sempre por um mesmo método. "Pesquisas não são algo mau. Jamais. Alguma coisa eu preciso estudar sobre o tema que vou retratar. Não posso ser leviano e ir sem preparo, sem o mínimo de informação. Mas não posso impor postulações, sobretudo num caso como o do atendimento de psiquiatras na França", diz o cineasta.

Há transtornos emocionais, crises existenciais e questões psiquiátricas graves abalando quem foi ao Adamant buscar ajuda. "Aquele lugar acolhe gente fragilizada, com fraturas, mas é gente que resiste. Meu papel político como artista foi da voz a eles", disse Philibert, que aposta numa edição de timbre poético em "Averroès & Rosa Parks". "Existem variadas formas de se fazer documentário. Eu faço o que considero ser 'cinema político', mas não me rendo ao rótulo que define esse conceito por aproximações a causas militantes, a slogans de governo. Eu não faço slogans, não aposto em proselitismos. Slogans são uma redução do pensamento. Sou contra a simplificação das ideias. Sou a favor da complexidade na troca. O que eu faço de 'político' passa pelo direito à construção da própria fala. Eu não imponho a meus documentados o que de ver ser dito, não sou eu quem leva a palavra àqueles pacientes. Deixá-los construírem seu próprio discurso é que um gesto político em si.".

A Berlinale segue até o dia 25. Os artistas e filmes premiados no evento serão anunciados no dia 24, pelo júri presidido pela atriz Lupita Nyong'o. Até o momento, "La Cocina", genial estudo sobre os bastidores de um restaurante, dirigido pelo mexicano Alonso Ruizpalacios, é o longa com mais pinta de vencedor.

 

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