Por: Rodrigo Fonseca | Especial para o Correio da Manhã

Cillian Murphy, uma estrelaque bomba

Astro de 'Oppenheimer', Cillian Murphy foi a grande atração da cerimônia de abertura d0 74º Festival de Berlim | Foto: Rodrigo Fonseca

 

Vilão da franquia "Batman", no papel do Espantalho, e protagonista de um drama político responsável pela primeira Palma de Ouro dada ao marxista Ken Loach ("Ventos da Liberdade"), o irlandês Cillian Murphy, hoje com 47 anos, completa três décadas de carreira em 2026, mas desfruta, na atualidade, de uma fase de apogeu.

Sua popularidade inflamou a abertura da 74ª Berlinale, quinta-feira (15), na capital alemã. Uma calorosa recepção a seu nome e à sua arte ampliou a expectativa do mercado exibidor por "Small Things Like These", exibido na abertura do evento, em disputa pelo Urso de Ouro.

Apesar de sua narrativa intimista e de temas ásperos (aborto, violência clerical, pobreza), o longa-metragem de Tim Mielants, vindo da Irlanda, adquiriu um status de espetáculo graças à presença do astro de "Oppenheimer", fenômeno de bilheteria que dispara como favorito ao Oscar. Cillian ganhou o Globo de Ouro pelo papel do inventor da bomba atômica em janeiro e tem tudo para levar a estatueta hollywoodiana.

Se não bastasse, ele ainda faz sucesso no streaming com a série "Peaky Blinders", trama mafiosa que, de tão aclamada, inspira uma linha de camisetas estampadas com o rosto do ator. "Queria muito trabalhar com Tim de novo, depois do que fizemos no set de 'Peaky Blinders', e saímos em busca de um projeto até que minha mulher me sugeriu a literatura de Claire Keegan", disse Murphy, ovacionado na Berlinale.

O best-seller homônimo de Claire foi a base de "Small Things Like These", cuja produção é assinada pelos atores Matt Damon, Ben Affleck e pelo próprio Cillian, que protagoniza o filme no papel de Bill Furlong, chefe de um entreposto de carvão. Às vésperas do Natal de 1985, ele se dá conta de segredos de sua comunidade, envolvendo uma atitude dominadora da Igreja envolvendo adolescentes grávidas. É uma alusão ao caso conhecido como As Irmãs Madalena, no qual jovens eram escondidas em conventos, por freiras, e tinha seus bebês confiscados. Emma Watson é a religiosa que entra em choque com Furlong. "A arte pode ser um alívio para as feridas", disse Murphy.

Parceiro de Cillian em "Oppenheimer", Damon passou por Berlim para assegurar uma acolhida mais serena a um longa polêmico.

"Com esse time de artistas envolvidos, meu trabalho era apenas facilitar o ambiente para todos", disse Damon.

Nesta sexta-feira, a competição pelo Ursode Ouro segue com "My Favorite Cake", de Maryam Moghadam e Behtash Sanaeeha, produção iraniana no qual uma solitária septuagenária abre o coração para um novo amor. Os artistas e filmes premiados do evento serão anunciados no dia 24, pelo júri presidido pela atriz Lupita Nyong'o.

"Vai ser apimentado", disse Lupita na coletiva do júri, ressaltando o clima de polêmica que espreita a competição.

Laureado com o prêmio de Melhor Direção no Festival de Locarno de 2021 pelo thriller "Zeros and Ones", o mestre do cinema outsider americano Abel Ferrara regressa à Berlinale, quatro anos depois de ter concorrido com "Sibéria" (hoje na grade da Amazon Prime), pelas vias do cinema documental, com "Turn In The Wound".

Realizador de longas de ficção cultuados como "Rei de Nova York" (1990) e "Vício Frenético" (1992), Ferrara promove um balanço do projeto geracional de seus conterrâneos de promover a paz mundial, num estudo que pega carona nas músicas de Patti Smith. A cantora e escritora é o foco a partir do qual ele cartografa sequelas da guerra na Ucrânia.

"Falta autoentendimento ao mundo. Falta um espaço para as pessoas se olharem nestes dias onde tudo é conectado e onde se rumina pouco as narrativas que a gente consome. É por isso que eu estou sempre retratando pessoas que estão buscando encontrar paz e equilíbrio. A fé é parte dessa busca, dessa trilha por resistência", disse o diretor ao Correio da Manhã, em sua passagem pelo Festival de San Sebastián, com "Sportin' Life", rodado durante a pandemia, em Berlim, em 2020. "Eu acredito que exista o Absoluto, em parte por conta de minhas origens italianas cristãs, e em parte pelo fato de o cinema ter me apresentado ao Sagrado... um outro Sagrado, humanizado".

No terreno documental, sua filmografia sempre alia retratos de personagens pautados pela rebeldia com radiografias de cidades. Alguns desses .doc misturam esses dois extremos, como é o caso do belo "The projectionist", radiografia do wildest side de Nova York a partir das histórias de Nick Nicolaou, um exibidor de filmes. "Novas câmeras e computadores permitiram que gente como eu tivesse o direito de seguir em frente".