Por: Rodrigo Fonseca | Especial para o Correio da Manhã

O voo de Miyazaki

'O Menino e a Garça, animação premiada do japonês Hayao Miyzaki | Foto: Divulgação

Laureado com o Globo de Ouro de Melhor Animação, em janeiro, e encarado desde já como "O" favorito ao Oscar da mesma categoria, "O Menino e a Garça" ("The Boy And The Heron") vai agitar os corações cinéfilos do Rio de Janeiro a partir do dia 22, quando entra em circuito carioca com a certeza de ser um blockbuster.

Pelo mundo afora o longa-metragem (exibido na abertura do Festival de San Sebastián, na Espanha, em setembro), faturou cerca de US$ 165 milhões sem ter percorrido todas as praças nas quais os animes (apelido dado aos desenhos japoneses) fazem sucesso. A grife de Hayao Miyzaki, seu realizador, é sua garantia.

Quando "Okja" (produção da Netflix) concorreu à Palma de Ouro em Cannes, em 2017, seu diretor, o sul-coreano Bong Joon Ho cravou que sua inspiração era Miyazaki.

Wes Anderson disse o mesmo nome quando foi apresentar "Ilha dos Cachorros" na abertura da Berlinale 2018. Muitos mestres escalam o animador nipônico (hoje com 83 anos) como um xodó. Ele se destaca no gosto da cinefilia por sua habilidade única de incorporar situações melancólicas em contextos de aventura e narrativas de autodescoberta. Vem sendo assim desde sua estreia na direção, em 1972, com o curta-metragem "O Sol de Yuki", de 1972. Sua consagração absoluta veio com a conquista do Urso de Ouro de 2002 por "A Viagem de Chihiro", que rendeu a ele o Oscar, em 2003. Seu estúdio, chamado Ghibli, fundado em Tóquio e, 15 de junho de 1985, é uma das produtoras mais respeitadas do planeta na seara animada.

Sempre bem-sucedido em circuito, com êxitos recentes como "A Tartaruga Vermelha" (2016), o Ghibli superou todas as expectativas de arrecadação com "O Menino e a Garça". Sua trama passa em volta da II Guerra Mundial. Depois de perder a mãe em meio a um combate armado, o jovem Mahito se muda para as terras de sua família, no campo. Lá, uma série de eventos misteriosos, sempre associados à figura de uma ave sombria levam o garoto a uma torre antiga e isolada.

Quando a nova madrasta de Mahito desaparece, ele segue a tal ave (uma garça) até a torre e entra num mundo fantástico partilhado pelos vivos e pelos mortos, com animais que esboçam gestos típicos de humanos. Ao embarcar em uma jornada épica, com direito a um ataque de sapos, Mahito deve descobrir os segredos desse novo mundo e aprender a difícil arte de saber amadurecer - tema recorrente de Miyazaki.

Fazia tempo que o cineasta não filmava longas. Distante do circuito exibidor em 2013, quando lançou "Vidas ao Vento", o artesão maior da chamada japanimation encerra esse hiato com a saga de Mahito. O título original do projeto, no mercado audiovisual, foi "How Do You Live", pois havia uma suspeita de que a base do roteiro seria baseado num livro homônimo: um romance de 1937 escrito por Genzaburo Yoshino. Mas executivos do Ghibli, por meio de uma reportagem da revista "Variety", atestaram que não havia uma conexão direta. Miyazaki é um fã de Yoshino. Mas a trama que ele animou agora fala de outras questões ligadas a sequelas da campanha nipônica na II Guerra Mundial.

Há sempre cicatrizes da realidade histórica na obra do oscarizado diretor de cults como "A Princesa Mononoke" (1997). Seus personagens são sempre signos de conflitos morais de sua pátria, vide o aviador Marco Porquinho, de "Porco Rosso", ou a peluda criatura de "Meu Vizinho Totoro".

Em meio a seu afastamento das longas, Miyazaki rodou um curta, "Boro The Caterpillar", feito para ser atração do parque temático do Ghibli, que adotou um sistema de marketing bastante inusitado para o lançamento do regresso de seu astro rei aos cinemas. Nada se falou, até os festivais de Toronto e de San Sebastián, sobre esse novo filme. Nada se contou, nada se fez antecipar, e o cartaz dele se resume à imagem de um pássaro, sem qualquer conexão com a ideia antes divulgada de que seria uma trama sobre a educação sentimental de um rapaz.

O forte interesse da indústria pop por esse Walt Disney asiático, que fez de Totoro seu Mickey. Um Mickey nada moralizante. Essa corrida pelas quinquilharias nerds do Ghibli ampliou a atenção de gibiterias de todo o mundo por "Shuna's Journey", livro ilustrado de Miyazaki que pode ser importado via Amazon Prime.

Baseado numa lenda tibetana, a graphic novel narra o périplo de um príncipe para encontrar lima semente capaz de alimentar seu povo faminto. No percurso, ele se encanta por uma jovem chamada Thea. Ao salvá-la de seus captores, esse nobre, chamado Shuna, acaba se embrenhando em mil perigos nos rastros de uma divindade. Miyazaki assina os desenhos e o animador holandês Alex Dudok de Wit (de "Father and Daughter") traduziu os diálogos do mestre para o inglês. As boas vendas do título estão crescendo à força da carreira de "O Menino e a Garça" para o Oscar.