Por: Rodrigo Fonseca | Especial para o Correio da Manhã

ENTREVISTA - JOÃO RODRIGO OSTROWER, ATOR, DIRETOR, ESCRITOR E FOLIÃO: 'O mistério mora na rua e nos encontros'

João Rodrigo Ostrower, o Alce do carnaval | Foto: Divulgação

Lá se vai um quarto de século desde a primeira Quarta-Feira de Cinzas do Alce, exu que abre alas e tranca ruas invocado pelo ator João Rodrigo Ostrower para se esbaldar nos blocos do Rio. A fantasia desse multiartista brotou por acaso, em 2000, quando ele estava em Olinda. Doido para curtir a folia pernambucana, Ostrower decidiu vestir o primeiro adereço que encontrou pela frente. Era um chifre de alce de pelúcia.

Ao usá-lo, o folião raiou. Chamou atenção nas passarelas. O feito deu certo nas ruas do Rio também, vitaminado por sacadas originais, purpurinado a memes, crítica política, crônica social e até trocadilhos. Ostrower já foi "Alce Cream", com seu vestido de sorvete. Foi "Distanciamento sociAlace", em menção à pandemia. Encarnou o "Onde Está WAlce", numa referência ao passatempo infantojuvenil "Onde Está Wally". Bancou o "AlceDentado", coberto de curativos falsos. Fez tudo. Rodado, o Alce já é coroa, vide sua fantasia de 2019: "Alceão", que além do chifre, aplicava talco branco para agrisalhar o cabelo e se apoiava numa bengala.

Essas invenções todas já renderam um livro: "Vida e Morte do Alce do Carnaval", lançado pela Editora 7Letras. Elas também inspiram um mestrado do ator em Artes da Cena, na Escola de Comunicação da UFRJ. Afinal de contas, o Alce vem pós-graduando a gente, ano a ano, com o diploma da alegria.

Ainda neste fevereiro, Ostrower vai provar que o Alce é a maior diversão, ao desfilar toda a sua picardia na Sapucaí do audiovisual: ou seja, vai estrelar um filme. Ele está se preparando para lançar o mockumentary (espécie de falso documentário, cheio de bom humor) "Alce 25". O filme conta com depoimentos de artistas, como as atrizes Nathalia Dill e Mariana Nunes, os atores Álamo Facó e Mateus Solano e a roteirista Renata Corrêa. Se a MGM tem o Leão de Metro, por que o carnaval carioca não poder ter um Alce pra chamar de seu.

Roteirista de peso, com passagens por séries como "Galera FC", Ostrower espalha serpentina nesta entrevista no Correio da Manhã.

Quem é o Alce e para que entidades, entre os povos da rua, ele bate cabeça? De que forma essa figura mudou a sua relação com o carnaval e com a arte?

João Rodrigo Ostrower: O Alce é um personagem, uma performance, uma persona que me acompanha desde o ano 2000. Se no início era apenas um chifre na cabeça, ele foi se moldando e atualmente se transfigura em um alce diferente a cada dia da folia, com uma paródia, um trocadilho, uma crítica sociopolítica etc. Sobre as entidades para as quais ele bate cabeça, talvez o Alce pudesse responder, mas como ele só vive durante o Carnaval, imagino que seja, primordialmente, para Exu, que, como diz o mestre (Luiz Antônio) Simas, é um orixá controverso, que sacraliza o profano, que é zombeteiro. O Alce está em minha vida há tanto tempo que minha relação com o Carnaval e com a arte não apenas mudou, ela foi se criando junto com ele, uma vez que, em minhas vivências, tanto na folia quanto na criação artística, a comicidade e a performatividade estão invariavelmente presentes. Inclusive este ano começo um mestrado, em Artes da Cena, na ECO/UFRJ, no qual vou me debruçar sobre o folião performer, tendo o Alce como guia.

O que carnaval representa para você - e para o Alce - como espaço de investigação da cidade? O que a geografia carioca dá de mais potente - e misterioso - para as aventuras desse personagem?

Quando ocupamos, por exemplo, uma rua do centro da cidade com corpos fantasiados, música e dança, estamos indo na contramão daquilo que é o esperado para aquele espaço. Ver a cidade por outros ângulos, em outro estado emocional, com figurinos e atitudes diversas é contagiante e educador, de certa forma, e o Carnaval nos dá esse passe. Um novo olhar sobre algo pode ser revolucionário. O Rio tem uma geografia muito específica, com praias e montanhas. Olhar pra cima e olhar pra baixo, num bloco, é possível tanto se estivermos num mirante em Santa Teresa, no gigante Aterro do Flamengo ou na histórica Zona Portuária. Eu poderia citar muitos outros. São cenários muito potentes numa mesma cidade, e cada um deles dá um tom diferente e permite experiências singulares. Gosto de pensar que o mistério mora nas ruas e nos encontros. O Alce se esbalda em ambos e apoia que outros muitos cantos possam ser explorados.

O que esperar dessa aventura audiovisual do Alce? Em que pé está o projeto e quando ele estreia? Há novos livros à vista?

O mini .doc "Alce 25" é mais uma incursão minha, com o Alce, no universo do humor. Nele, imagens de arquivo e de fantasias de outros tempos serão intercaladas por depoimentos muito engraçados, tanto de artistas e de personalidades quanto de outros personagens conhecidos do Carnaval de rua do Rio. O filme celebra os 25 anos do Alce, que cresceu junto com o que alguns chamam de retomada do Carnaval de rua do Rio. No momento, estou recebendo os depoimentos e ainda gravarei algumas falas e cenas durante o Carnaval deste ano. Por isso, o lançamento será no final de fevereiro. Tenho um livro novo a caminho, mas não deve sair por agora. Como será meu primeiro romance, estou me permitindo escrever com calma. Posso adiantar que se passa em Nova Iguaçu, na Baixada Fluminense, na década de oitenta, e tem dois personagens principais: um menino que tem 10 anos de idade e sua mãe, uma mulher que está chegando aos 40.

Qual foi o causo mais inusitado que você viveu na folia?

Talvez os mais inusitados não sejam muito publicáveis, mas lembrei de um que sempre acho engraçado. Num dia em que eu fui entrevistado num programa de TV de grande audiência, acabei indo para um bloco logo depois. Algumas pessoas me reconheceram nas ruas, vinham falar comigo e tal, e eu curti a onda. Em determinado momento eu estava com alguns amigos e comecei a ouvir gritos seguidos de "Olha a Alce!". Eu olhava e não via quem estava falando. "Olha a Alce!", continuavam, e nada de eu entender de onde vinha o chamado. Finalmente eu vi: era um ambulante, que repetiu mais uma vez, olhando pra mim. Eu fui até lá e falei "Amigo, não tem qualquer problema de ser 'a alce', mas é que é 'o alce', no caso. Ele não entendeu nada e falou mais uma vez. Ao ouvir de perto, entendi que ele estava falando "Olha a Ice", na tentativa de vender essa bebida. Quase me mijei, de rir e, de vergonha, comprei uma bebida com ele.

 

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