Por: Rodrigo Fonseca | Especial para o Correio da Manhã

Papo reto com o axé

O debate sobre o sincretismo religioso e a influência das religiões de matriz africana na sociedade brasileira entram em pauta no documentário 'Tenha Fé', de Rian Córdova | Foto: Divulgação

Macaque in the trees
Exu na Grande Rio em 2022: o orixá da comunicação é celebrado por Rian Córdova no documentário 'Tenha Fé' | Foto: Divulgação

Quem é de candomblé ou de umbanda acredita que é nosso santo quem nos guia e nos põe de pé. Agora, no cinema brasileiro, a crença de que a espiritualidade nos move, conduz ao sucesso um documentário que analisa as tradições religiosas e culturais afro-brasileiras sob o prisma do requinte estético: "Tenho Fé", de Rian Córdova. J

Já em circuito, o longa - sinergia entre a Pixys Produções e a Lira Filmes - acompanha a jornada de artistas que celebram o poder dos orixás e a ancestralidade em suas obras. O longa dá voz a antropólogos do carnaval, sacerdotes, ícones da música...

Suas câmeras passeiam por palcos de teatros, shows, desfiles de moda, convenções de quadrinhos e até festas populares, como as Alvoradas de São Jorge e a Festa de Iemanjá, para entender de forma descomplicada a mitologia de berço africano. Na entrevista a seguir, Córdova conta ao Correio como delineou seu enfoque sobre ancestralidade.

Em que espaço, lirismo e antropologia se conjugam na sua pesquisa sobre a chamada arte afro-brasileira? Como fugir do exotismo na escrita do roteiro e na cartografia da força dos orixás na música, no carnaval e no palco?

Rian Córdova: Nosso filme acompanha a jornada de artistas de vários contextos históricos, sociais e raciais, com interesses criativos a partir do universo de culturas afro-diaspóricas. Eles celebram os orixás em obras de diversos gêneros artísticos, para fazer uma reflexão sobre a importância da miscigenação e da diversidade na formação cultural e comportamental do Brasil. Os temas transitam entre o sagrado, o ancestral e vão de encontro à emergência cotidiana atual no combate ao racismo e à intolerância religiosa.

De que maneira a celebração de Exu no carnaval de 2022 foi um estímulo para a aceitação de um universo temático tão assolado pela intolerância religiosa?

Exu sempre foi demonizado pelas religiões judaico-cristãs, por sua representação espalhafatosa. Apesar disso, está presente firme e forte na produção artística. Por exemplo, em obras de Vinicius de Moraes e Baden Powell, no "Grande Sertão: Veredas", de Guimarães Rosa, ou nas canções de Baco Exu do Blues e de Elza Soares. Quando Leo Bora e Gabriel Haddad, da Acadêmicos da Grande Rio, celebram Exu como enredo, eles acabam revelando de forma didática as potências de Exu, para milhares de famílias brasileiras que não entendiam a importância desse Orixá. Exu é a divindade da comunicação, presente não só no contexto religioso, mas em tudo.

Como foi a concepção visual do filme num contexto onde a palavra e o depoimento são essenciais?

Nossas câmeras passeiam por espetáculos teatrais, de música, desfiles de moda, festas religiosas populares, vai até à Comic Com a fim de entender como as contribuições afro-brasileiras são alicerces do que existe de mais interessante na nossa cultura e em nosso comportamento. A narrativa é sustentada não apenas por intelectuais e religiosos, mas por artistas que estão na batalha, gente como eu e você. Por isso, no filme o papo é reto e descomplicado.

 

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