Por: Rodrigo Fonseca | Especial para o Correio da Manhã

ENTREVISTA / AÍDA MARQUES, PROFESSORA DA UFF, MONTADORA E CINEASTA | 'Nelson Pereira dos Santos trouxe a modernidade para o nosso cinema'

Professora e montadora, Aída Marques estreia na direção com doc sobre o legado de Nelson Pereira dos Santos, pai do cinema moderno brasileiro | Foto: Rodrigo Fonseca

O sorrisão que ilumina o rosto da professora da Universidade Federal Fluminense Aída Marques se explica por feitos que fazem de 2023 um ano mágico em sua carreira no mundo acadêmico e no audiovisual. Ambos passam pela figura de Nelson Pereira dos Santos (1928-2018). Em maio, a cineasta por trás de "Expedito: Em Busca de Outros Nortes" e do belo "Abdias Nascimento" (2011) levou ao Festival de Cannes um filme sobre o mítico realizador de "Vidas Secas" (1955). "Nelson Pereira dos Santos - Vida de Cinema", que estreia neste fim de semana, foi rodado por ela em duo com a produtora Ivelise Ferreira, viúva do diretor. No próximo dia 20, Aída lança na livraria Blooks, o livro "Encontros com Nelson Pereira dos Santos", feito em duo com Elianne Ivo Barroso. Tem um outro para lançar este ano, sobre o longa inaugural de Nelson: "Rio 40 Graus" (1955). Idealizadora de uma série de exposições sobre cinema no Rio, com trabalhos sobre Godard e os Irmãos Lumière, Aída analisa, neste bate-papo, a relevância cinéfila de Nelson.

Que lugar Nelson traçou para o cinema no Brasil se modernizar?

AÍDA MARQUES:Nelson trouxe a modernidade para o nosso cinema. A modernidade do pós-guerra na Europa, com o neorrealismo e, posteriormente, com a Nouvelle Vague. Os equipamentos se tornaram menores, possíveis de sair à rua, como se viu no uso do Nagra (o gravador de som direto). Nelson descobriu isso e foi o primeiro aqui no Brasil que usou essas estratégias para fazer um cinema diferente. Ttrouxe a modernidade para o audiovisual do Brasil, assim como Nelson Rodrigues trouxe a modernidade para o teatro. A passagem dele pela Europa, quando foi fazer o IDEC (instituto de cinema da França) e não conseguiu, foi fundamental, porque ele abriu a cabeça ali. Ele viu muitos outros filmes aos quais não teria acesso aqui. Estava acostumado com o cardápio mais tradicional, e trouxe o cinema moderno consigo. O que interessava a ele era mostrar o Brasil. Saber que Brasil é esse. que povo é esse e o que ele faz. Onde esse povo mora? Onde ele está? Esses filmes dele vão mostrar o que é o Brasil para o mundo.

Que simbolismo ele trouxe para a sua geração?

Um dos principais foi a possibilidade de a gente fazer cinema. Isso está muito presente no curso de cinema da UFF. Ela trabalhou muito com documentário. Eu montei os documentários de uma geração que tinha a Sandra Werneck, o Silvio Da-Rin, Hilton Kaufman... Essa geração começou na narrativa documental e, depois, fundou uma cooperativa, a Corsina, que tinha o intuito de distribuir e ajudar nas produções. Tinha o José Carlos Asbeg, o Sérgio Péo, o Paulo Veríssimo. Nelson trouxe essa abertura pra gente. Fazer cinema não é esse mistério tão grande.

De que "encontros" o seu livro fala e o que eles revelam sobre a obra do diretor de "Rio 40 Graus"?

Esse livro que estou lançando agora se chama "Encontros com Nelson". Então são os encontros de Nelson com uma série de pessoas. Vou lançar outro livro em dezembro, que vai sair pela editora da UFRJ, que é "Rio 40 Graus: A Modernidade no Cinema Brasileiro". Esse livro eu comecei com Nelson. Acho um absurdo a gente não ter literatura sobre cinema aqui, não só com roteiros, mas com fortuna crítica, contando a história dos filmes. Os causos se perdem.

Como foi a feitura do .doc com Ivelise Ferreira?

A Ivelise e o próprio Nelson me chamaram porque queriam conversar comigo. Nessa época, eu batia muitos papos com Nelson, convivia muito com ele. Eles disseram que queriam fazer um documentário e que queriam que eu produzisse. Eu falei que iria produzir. Eu estava muito envolvida com um filme que eu ainda não consegui fazer, mas conseguirei. Achei até bom só ser produtora, porque eu estava realmente a mil por hora com outro projeto, e é um projeto que vai exigir muito de mim: um filme de ficção, de produção baixa, mas de narrativa estética um pouquinho complicada. Começamos a pensar, Ivelise, ele e eu, quem poderia dirigir esse filme. Resolvemos que íamos convidar uma cineasta mulher. Aí Nelson chegou e falou que achava mais legal nós duas dirigirmos. Falei "vamos fazer". No início, foi muito difícil, porque a gente não conseguia dinheiro. Começamos a ver material, porque tinha muita coisa para ver. Éramos eu e a Ivelise. Revíamos os filmes, tomávamos nota das sequências que a gente achava que deveriam ser inseridas no filme, começávamos a pensar na estrutura. Entrou o primeiro dinheiro, pagamos o que tinha que pagar, e aí entramos realmente na montagem. Foi muito tempo de montagem, porque o filme foi feito na ilha de edição, no computador, com muita experimentação e muita pesquisa.

Que papel social o curso de Cinema da UFF representa hoje para o país?

O curso de cinema na UFF foi fundado logo após o da USP, e eu entrei nele curso em 1991. As turmas tinham seis alunos, oito no máximo. Foi um curso, realmente, onde pessoas que, depois, tiveram carreiras substantivas formaram-se a partir dos diferenciais que tínhamos e temos. Foi Nelson que começou esse curso. A gente tem uma troca afetiva muito grande. Agora é mais difícil, porque, nos dias atuais, a gente tem muitos estudantes. Uns 70, às vezes. Mas, a gente sempre teve um coletivo muito unido, um grupo onde o mais importante era o coletivo, o curso em si, e, não, o projeto pessoal de cada um. Com isso, os alunos sentiam e trocavam com a gente. Sempre batalhamos juntos. O filme "Conceição" foi o primeiro longa-metragem feito pelos nossos alunos. Fomos eu, Nelson e um batalhão de estudantes na RioFilme, quase invadindo a distribuidora, pra pedir a finalização. Era uma troca permanente.

 

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