'A sociedade nos julga pela visibilidade que temos'
Festival paulista exibe o documentário que deu ao francês Nicolas Philibert o Urso de Ouro de Berlim, depois de cinco décadas na ativa
É dia de Urso de Ouro na Mostra de São Paulo: às 13h30 desta quarta, o festival paulistano exibe o documentário "No Adamant", no Reserva Cultural 1. É um dos potenciais filmes pro páreo do Oscar de Melhor Documentário se 2024, coroado com o mais cobiçado troféu do Festival de Berlim.
Seu realizador, Nicolas Philibert, é um francês nascido em Nancy há 72 anos que fez fama com experimentos pautados pela inclusão como "O País dos Surdos" (1992). "Minha maior alegria com o Urso dourado é saber o quanto o troféu pode vir a favorecer a carreira de outros projetos de não ficção ao provar que o formato documental tem chance de conquistar um prêmio tradicionalmente atribuído às narrativas ficcionais", disse Philibert ao Correio da Manhã, ao fim da Berlinale.
Arredondando datas de suas participações como assistente em filmes de outros diretores, ele está completando cinco décadas de cinema este ano. Celebra a efeméride com o êxito mundial de "Sur L"Adamant", título original do longa que vai ter mais uma sessão na Mostra na quinta, às 17h30, no Itaú Augusta.
Nele, Philibert nos leva até uma estação fluvial de acolhimento (e também de atendimento clínico) a pacientes com distúrbio psiquiátricos, que flana pelas águas do Sena. Na passagem por Berlim, o longa ganhou ainda uma menção honrosa do Júri Ecumênico, formado por instituições cristãs de cunho humanista.
"Não me pauto em pesquisa, pois não chego à locação com o filme pronto. O filme em si é a pesquisa, pois eu não quero conceitos prévios, não quero filmar o que eu já sei e não quero impor qualquer conceito intelectual que eu tenha ao universo que busco conhecer", explicou Philibert.
Conhecido no Brasil pelos documetários "Ser e Ter" (2002) e "Cidade Louvre" (1990), ele passou ao posto de diretor há 45 anos, ao filmar "La Voix De Son Maître", ouvindo executivos em posição de chefia em grandes empresas. Nos 37 projetos que filmou na sequência, ele se pautou sempre por um mesmo método.
"Pesquisas não são algo mal. Jamais. Alguma coisa eu preciso estudar sobre o tema que vou retratar. Não posso ser leviano e ir sem preparo, sem o mínimo de informação. Mas não posso impor postulações, sobretudo num caso como é Adamant, uma geografia móvel que navega pelo mundo", diz o cineasta.
Há transtornos emocionais, crises existenciais e questões psiquiátricas graves abalando quem foi ao Adamant buscar ajuda. "Aquele lugar acolhe gente fragilizada, com fraturas, mas é gente que resiste. Meu papel político como artista foi da voz a eles", disse Philibert. "Existem variadas formas de se fazer documentário. Eu faço o que considero ser 'cinema político', mas não me rendo ao rótulo que define esse conceito por aproximações a causas militantes, a slogans de governo. Eu não faço slogans, não aposto em proselitismos. Slogans são uma redução do pensamento. Sou contra a simplificação das ideias. Sou a favor da complexidade na troca. O que eu faço de 'político' passa pelo direito à construção da própria fala. Eu não imponho a meus documentados o que de ver ser dito, não sou eu quem leva a palavra àqueles pacientes. Deixá-los construírem seu próprio discurso é que um gesto político em si. A sociedade nos julga pela visibilidade que temos".
