Por: Rodrigo Fonseca (Especial para o Correio da Manhã)

Lira paulistana

Não Espere Muito do Fim do Mundo | Foto: Divulgação

Macaque in the trees
Mostra de SP logo | Foto: Divulgação

Terminada a maratona do Festival do Rio, no domingo, começa a Mostra Internacional de São Paulo, evento já quarentão que, ano a ano, apresenta aos brasileiros imagens libertárias sobre as questões mais urgentes do mundo contemporâneo. Iniciado ontem com a projeção de "Anatomia de uma Queda", o ganhador da Palma de Ouro deste ano, o festival paulistano põe na roda, a partir desta quinta-feira, uma leva de candidatos a cult. Confira a seguir uma leva de dicas do que que conferir no evento dirigido por Renata Almeida.

A ALEGRIA É A PROVA DOS NOVE, de Helena Ignez: Uma das mais aclamadas realizadoras e atrizes do país, cultuada por sua presença no elenco de "O Bandido da Luz Vermelha" (1968), regressa com um memorial construído com foco numa viagem, feita nos anos 1970, ao Marrocos. Foram nessa jornada sensorial a sexóloga e roqueira Jarda Ícone (a própria Ignez) e o defensor dos direitos humanos Lírio Terron (Ney Matogrosso). Algo do passado dessa dupla segue até hoje.

ZONA CRÍTICA ("Mantagheye Bohrani"), de Ali Ahmadzadeh: Ganhador do Leopardo de Ouro de Locarno, este thriller iraniano é um dos filmes mais devastadores de 2023. Transgressor nas telas e fora delas, tanto por assumir um traficante como um herói humanista quanto por seu modo de filmagem avesso a autorizações e burocracia, "Critical Zone" (seu título internacional) tem um conteúdo transgressor. Faz uma crônica do dia a dia de um traficante de bom coração, que entrega drogas a pessoas vulnerabilizadas pela vida ou pela opressão governamental - obrigou seu realizador a rodar a trama em sigilo, nas ruas de Teerã. Essa atitude (e a natureza do enredo) pode valer ao cineasta uma condenação legal, fora o fato de as autoridades iranianas rejeitaram qualquer reconhecimento à produção.

ANIMAL, de Sofia Exarchou: Ateniense de berço, na ativa desde 2006, a diretora grega mexeu com os brios do 76. Festival de Locarno, na disputa pelo Leopardo de Ouro, ao retratar um universo plasticamente exuberante, porém apodrecido em sua espinha dorsal: o negócio dos ressortes turísticos. A narra o lodaçal que cerca o cotidiano de uma mulher, Kalia (Dimitra Viagopoulou), ligada à indústria grega do turismo.

UMA VIDA DE OURO ("Or De Vie"), de Boubacar Sangaré: Burkina Faso pede passagem na grade da Mostra em grande estilo. Preocupado com os efeitos da mineração sobre a vida de adolescentes que se entregam ao trabalho precocemente, o realizador deste .doc acompanha a rotina de um rapaz de 16 anos em uma mina de 100 metros onde ele se enfia, dia a dia, atrás do sonho de encontrar ouro.

O CASO GOLDMAN ("Le Procès Goldman"), de Cédric Kahn: O realizador de 'A Prece" (2018) revive um dos mais violentos casos de antissemitismo da História ao encenar (em tensão crescente) a corte em que foi julgada a possível (e provável) inocência de Pierre Goldman (1944-1979), autor do livro "Souvenirs obscurs d'un Juif polonais né en France". Embora tivesse cometido furtos e roubos, Goldman sempre negou ter sido o responsável pelo assassinato de duas pessoas durante um assalto a uma farmácia. A ausência de argumentos concretos sobre sua culpa faz crer em sua inocência. Só que uma ala racista da polícia francesa não pensa assim. O desempenho de Ariah Worthalter no papel principal, em estouros de raiva, humaniza o longa.

EM NOSSOS DIAS ("Woo-Ri-Ui-Ha-Ru"), de Hong Sang-soo: O mais prolífico dos diretores sul-coreanos levou à Quinzena dos Realizadores de Cannes este estudo sobre desconexões. Nele, uma mulher de 40 e poucos anos se vê morando temporariamente na casa de uma amiga que está criando um gato. Um homem septuagenário que vive sozinho perdeu o gato, que morreu de velhice. Hoje, cada um deles recebe uma visita. Os visitantes chegam com perguntas muito importantes a fazer. A mulher responde brevemente, enquanto o homem mais velho acaba dando longas respostas em uma conversa demorada. É um filme que ritualiza a força poética da palavra.

FOLHAS DE OUTONO ("Fallen Leaves"), de Aki Kaurismäki: Comédia triste laureada com o Prêmio do Júri de Cannes e com o Grand Prix Fipresci em San Sebastián. Seu diretor, o mestre finlandês das narrativas agridoces, escancara a ferida da Guerra da Urânia de maneira brilhante em seu novo roteiro, sempre propondo uma comicidade agridoce. Na narrativa, há um rádio sempre com notícias contra a Rússia ligado na casa da protagonista, Ansa (Alma Pöysti). Primeiramente, ela aparece no enredo como funcionária de supermercado, depois disso, vira faxineira de bar e, por fim, torna-se operária de fábrica. Sua vida é monótona, solitária e embolorada. Até as lasanhas congeladas que compra dão mofo. Mas tudo muda quando ela se encanta por um homem sem nome que conhece num karaokê, vivido pelo brilhante Jussi Vatanen. Ele também se encanta por ela, vive só e carece de um benquerer pra chamar de seu. Seu problema: ele bebe. Muito. O benquerer que brota entre eles será rascante.

NÃO ESPERE MUITO DO FIM DO MUNDO ("Nu Astepta Prea Mult De La Sfârsitul Lumii"), de Radu Jude: É o novo longa do diretor de "Má Sorte no Sexo ou Pornô Acidental" (Urso de Ouro de 2021). Ganhou o Prêmio do Júri em Locarno. Sua atriz, Ilinca Manolache, tem um desempenho em estado de graça. Ganhador do Urso de Ouro de 2021 com "Má Sorte no Sexo ou Pornô Acidental", ele volta aos longas com um estudo sobre o sucateamento das relações laborais, centrado no empenho de uma produtora (Ilinca, brilhante) em filmar pessoas que sofreram acidentes de trabalho. É outro título que aposta no riso.

O LIVRO DAS SOLUÇÕES ("Le Livre Des Solutions"), de Michel Gondry: Quase 20 anos se passaram desde que "Brilho Eterno de uma Mente Sem Lembranças" reinventou o amálgama da memória com o querer. Seu diretor, um mito do videoclipe, regressou às telas em maio, via Cannes, parar narrar as peripécias de Marc, cineasta bipolar vivido por Pierre Niney. Ninguém na classe cinematográfica o entende. Gondry sabe o que é isso, pois passou por um baque com "L'Écume Des Jours" (2013), de Boris Vian. Sua versão pra telona, "A Espuma dos Dias", gastou aos tubos e não faturou o que e o quanto esperavam. Mas ele seguiu em campo, regressando agora.

CRIATURA ("Creatura", de Elena Martín Gimeno: Uma complexa expedição filosófica ao sentimento do tesão, empreendida pela diretora e atriz espanhola a partir da saga de um casal que perde o interesse sexual, apesar do afeto que sente.

UM DIA NOSSOS SEGREDOS SERÃO REVELADOS ("Irgendwann Werden Wir Uns Alles Erzählen"), de Émily Atef: Um dos concorrentes mais belos ao Urso de Ouro deste ano, este drama de tons sensuais se passa em 1990, ao largo da queda do Muro de Berlim. É o último verão na Alemanha Oriental antes da reunificação. Lá, a jovem Maria está prestes a completar 19 anos e mora com o namorado na fazenda dos pais dele. Ela prefere se perder nos livros do que focar na formatura da escola, quando esbarra em Henner, o fazendeiro vizinho. Um toque é tudo o que é preciso para acender uma paixão avassaladora entre Maria e o homem rústico e obstinado com o dobro da idade da garota. Em uma atmosfera repleta de possibilidades, nasce uma paixão secreta cheia de calor e desejo que devora tudo o que há pelo caminho. A trama é baseada no romance homônimo de Daniela Krien.

O CASTELO ("El Castillo"), de Martín Benchimol: Ganhador do prêmio Horizontes Latinos de San Sebastián, na Espanha, este drama sobre fantasmagorias sociológicas abriu sua carreira mundial na Berlinale. Ao adentrar o universo da aristocracia decadente, Benchimol faz um estudo das práticas de servidão, ao narrar as transformações na vida de uma mulher, Justina, que ganha da sua patroa um casarão abandonado, sem ter a noção do que vai encontrar por lá.

ROBOT DREAMS, de Pablo Berger: Ímã de lágrimas em Cannes, esta animação do realizador de "Blancanieves" se encontra nas estações do ano em que o cão de vida vazia inspirado em Hoffman quebra sua inércia emocional depois de comprar um robô (dotado de inteligência artificial) para ser seu companheiro de dia a dia. A trilha sonora, com direito a "September", do Earth Wind & Fire embala a construção do relacionamento deles.

NÃO SOU NADA, de Edgar Pêra: Há uma fotografia estonteante neste thriller psicológico que decorre dentro da cabeça de Fernando Pessoa, e fez sua estreia no Festival de Roterdã. No seu Clube do Nada, habitado por heterônimos, o poeta consegue concretizar todos os seus sonhos. Mas a entrada em cena de uma mulher sofisticada, muito diferente da Ofélia do mundo real, começa a desestabilizar o clube, enquanto o ultrajante heterônimo vanguardista Álvaro de Campos disputa a autoridade de Pessoa de forma violenta. A produção é de Rodrigo Areias.

QUEM FIZER GANHA ("Next Goal Wins"), de Taika Waititi: Apesar do azar de ser dirigido por um dos piores cineastas na ativa na contemporaneidade, oscarizado (sabe-se lá como) por "Jojo Rabbit", esta comédia antropológica traz Michael Fassbender em seu elenco, e ele salva a pior das bombas. Sua trama fala do terrível time de futebol da Samoa Americana, conhecido por uma partida humilhante, ocorrida em 2001, em que a equipe foi derrotada por 31 a 0. Com a aproximação das eliminatórias para a Copa de 2014, a seleção contrata o rebelde e azarado técnico Thomas Rongen, na esperança de que ele transforme a história do pior time de futebol do mundo.

 

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