Ainda deslumbrada pela passagem de "Mussum, O Filmis" pelo Odeon, a Première Brasil pode despertar de todas as suas potenciais letargias na noite desta sexta-feira (13), com a estreia mundial de "A Paixão Segundo GH", o novo longa-metragem de Luiz Fernando Carvalho. É a volta do mais ousado diretor de TV do Brasil ao cinema, 22 anos depois de "Lavoura Arcaica" (2001).
Numa atuação radicalíssima, porém afetiva, Maria Fernanda Cândido brinda o cinema nacional com seu talento e carisma numa atuação em que reage, com uma suavidade de gestos, ao texto de Clarice Lispector (1920-1977), publicado em 1964. A trama esbanja existencialismo: Depois de despedir a empregada, G.H. inicia uma faxina no quarto de serviço e vê uma barata. Enojada do inseto, ela decide esmagá-lo. Nesse gesto, diante da massa pastosa e branca da barata morta, ela embarca num processo de desmontagem de sua condição humana. A pedido do Correio da Manhã, Luiz Fernando escreveu um pequeno ensaio sobre sua relação com Clarice:
"Por que filmar GH? Talvez a maturidade esteja exigindo falar menos de mim e mais do outro. A igualdade reivindica suas diferenças mais subjetivas. Só essa será uma entrega real ao outro, avistando aquele que é diametralmente oposto a você, seja em gênero, classe social, raça, religião, espécie e por aí vai... Para que eu filme uma mulher não é apenas preciso, como dizem por aí, acessar meu lado feminino. É preciso muito mais. É preciso me oferendar ao impossível de realizá-lo. A consciência da impossibilidade na mediação com o feminino me arrasta até o centro de G.H., ou de Clarice - como preferirem. G.H. é o feminino em sua potência máxima, libertadora. Diria mesmo revolucionária. Ela nos ensina que há um limite, sim. Mas é necessário ir além do cosmo-política do homem ocidental.
O aqui e agora. O ser é um desaparecimento. G.H., ao decidir arrumar sua própria casa começando pelo quarto da empregada, termina por desarrumar-se. Trata-se de uma personagem que irá se desconstruir diante dela mesma e de todos nós. G.H. intui que há um espelho diante do mundo que é de uma superfície refletora, que não absorve, que não se organiza dentro da nossa subjetividade. É necessário que as coisas sejam lançadas à sua origem obscura, lugar onde exterioridade e interioridade ainda não se distinguiram. Em contraposição a Aristóteles, que diz que 'tudo o que é tende a permanecer', Clarice nos sopra que 'tudo o que é tende a desaparecer'. A narrativa do filme nos conta a morte da mediação com o mundo. Desse desaparecimento do narrador surge o ato imediato. Ou seja, uma imanência tão radical como a paixão. Não há transcendência. Transcendência é adiamento. A transcendência é eliminada para que se fique dentro daquilo que é, dentro da experiência da paixão".
Tem mais uma sessão de "A Paixão Segundo GH" no domingo, 15, às 19h, no Kinoplex São Luiz 2.