Por: Rodrigo Fonseca (Especial para o Correio da Manhã)

Isabel de Luca: 'Sigo lidando com o empacotamento de ideias'

Isabel de Luca: 'O etarismo é um tema que me toca muito' | Foto: Divulgação

Responsável por uma revolução na forma de se pensar o papel social e político de um caderno de cultura numa metrópole cosmopolita, Isabel De Luca transformou o jornalismo ligado às artes num espaço de invenção em sua gestão no suplemento ligado ao cinema, teatro, HQs e afins de O Globo, de 2010 a 2012.

Nunca, nos primeiros 15 anos deste século, as artes plásticas no país tiveram um espaço de análise e reflexão tão farta nas páginas da imprensa carioca quanto se viu em seu exercício editorial. O estilo moderno e arrojado de fazer reportagem ela transporta agora para o audiovisual. Isabel transita pelo roteiro de um dos concorrentes ao troféu Redentor de Melhor Documentário: "Helô", de Lula Buarque de Hollanda, sobre a professora da UFRJ, ícone feminista e imortal da ABL Heloísa Teixeira.

Tem ainda espaço na agenda de Isabel para assinar o nome após a cobiçada expressão "filme de...". No domingo, ela deslumbrou a Première Brasil com "Mulheres Radicais", um .doc dela e de Isabel Nascimento Silva. Esta assina a direção e De Luca assina como argumentista, roteirista (com Tatiana Bacal) e produtora executiva. Mas é um exercício autoral de sinergia, e requinte. Entre 2017 e 2018, uma exposição histórica reuniu 120 artistas plásticas latino-americanas que produziram trabalhos seminais entre os anos 1960 e 1980. Tem sessão nesta quarta-feira (11), às 13h45, no Estação NET Gávea. Na quinta (12), o filme será projetado às 20h45 no Estação NET Rio 3. A seguir Isabel fala da incursão pelas veredas da feitura cinematográfica.

De que maneira a seleção das artistas do "Mulheres Radicais" aponta um recorte das artes plásticas no país?

Isabel De Luca: É um filme que reconhece, provoca e quase impõe um novo capítulo na história da arte no século XX. Ninguém nunca nos contou sobre o papel fundamental que as artistas latino-americanas tiveram na arte contemporânea. Aconteceu um zeitgeist simultâneo entre os anos 1960 e 80 que produziu artistas extremamente potentes, que inventaram toda uma iconografia e introduziram temas jamais retratados na arte, ou tratados como arte. Mas ninguém viu! Até que um dia uma curadora anglo-venezuelana, a Cecilia Fajardo-Hill, começou uma pesquisa que mudou tudo: passou dez anos procurando mulheres artistas na América Latina. Essa pesquisa virou uma exposição histórica que, entre 2017 e 2018, passou por Los Angeles, Nova York e São Paulo, reunindo 127 artistas que produziram trabalhos seminais entre 1960 e 1985. Essa mostra revelou, em sua maioria, nomes que passaram a ser reconhecidos e celebrados pela primeira vez. E foi o ponto de partida para o filme. Onze artistas que estavam nessa mostra aceitaram participar de encontros promovidos em Nova York e São Paulo.

Que papel você assume em "Helô", qual e como é o trânsito com Lula Buarque?

Começou oito anos atrás, quando encontrei Lula num jantar e passamos horas falando sobre a vida/obra de Helô, que cada vez mais se consolidava como a maior e mais vanguardista intelectual brasileira contemporânea. "Lula, vou ficar no seu pé; você precisa filmar a sua mãe". Foi assim que nos despedimos. Lula começou a filmar loucamente, fosse com sua câmera pessoal ou seu celular - festa de aniversário, lançamento de livro, obra no apartamento, reunião presencial, almoço com os netos, todo um isolamento pandêmico na casa de Búzios. Escrevi vários argumentos ao longo desse processo. Quando finalmente veio o sinal verde, o material filmado já passava de 450 horas. Assistir a essa Helô em estado bruto foi uma experiência divertida, apaixonante e transformadora. Helô é uma lacradora de 84 anos. Isso me arrebatou e creio que vá arrebatar quem assistir ao filme.

Você vem dialogando com o audiovisual há alguns anos, primeiro na sua cuidadosa posição de editora de caderno de cultura e, depois como roteirista. O que se leva desse processo para a direção?

Sigo lidando com as palavras, ou melhor: com o conteúdo, ideias. Com o empacotamento dessas ideias. É onde eu sinto que mais posso contribuir. Não assino a direção de "Mulheres Radicais", que é "um filme de Isabel De Luca e Isabel Nascimento Silva" - eu como criadora, roteirista eprodutora, ela como diretora, mas é um filme de nós duas. Eu assino argumento, roteiro (com Tatiana Bacal) e produção executiva.

Onde e como o Hysteria baliza essa sua expressão audiovisual mais recente?

Hysteria nasceu dentro da Conspiração como plataforma. O objetivo era ampliar a inserção feminina no audiovisual e abrir espaço a narrativas com mulheres no centro das histórias. No início a gente quis englobar todos os formatos: texto, áudio, vídeo. Ajudei a lançar a plataforma, em 2017, dentro da Conspiração, e fiquei lá fixa até 2022. Hoje a Hysteria segue firme e forte como selo audiovisual. Depois do "Desnude" (Carolina Jabor), veio o documentário "De Você Fiz Meu Samba", que lançamos no Festival do Rio do ano passado, e está correndo festivais pelo mundo. Agora chegam "Mulheres Radicais" e "Helô". Até o fim do ano virão dois projetos da Isabel Nascimento Silva: séries sobre a Luisa Sonza e a Angélica.

Que novos projetos você tem com o cinema ou com a dramaturgia de séries?

Acabei de entregar um roteiro sobre o Bola Preta feito por encomenda da Leandra Leal e da Maria Barreto, da Daza Filmes, que me convidaram para dirigir junto com o Claudio Amaral Peixoto. Não sei como, mas eu aceitei! Estou trabalhando num projeto de série de ficção sobre mulheres mais velhas. O etarismo é um tema que me toca muito, e não por acaso é só do que eu falei no audiovisual até agora. Meu primeiro filme pela Hysteria foi o documentário "De Você Fiz Meu Samba", para o qual eu também convidei a Isabel Nascimento Silva para dirigir, e que fala das viúvas de baluartes do samba carioca. Elas não foram ouvidas sequer para as biografias deles, mas são guardiãs de parte fundamental da história da música popular brasileira. Descobrimos incontáveis inéditas nas casas delas, que são praticamente museus! Depois vieram "Mulheres Radicais" e "Helô", ou seja, temos aí uma trilogia sobre mulheres na faixa dos 80.