Por: Rodrigo Fonseca | Especial para o Correio da Manhã

Caio Blat: 'Todas as fronteiras me interessam'

Prestes a brilhar nas telas da Estônia como Riobaldo em ‘Grande Sertão’, de Guel Arraes, Caio Blat apresenta novas experiências narrativas no evento paulista e prepara novo longa como realizador | Foto: Divulgação

Vai ter fogo brasileiro, e pétala (de Guimarães Rosa) no frio da Estônia, no próximo dia 10, quando "Grande Sertão", de Guel Arraes, será exibido no Tallinn Black Nights Film Festival, com Caio Blat no papel de Riobaldo. Sua conexão com um dos personagens pilares da prosa do mineiro de Cordisburgo vem de uma experiência teatral que o astro fez no palco, sob a direção de Bia Lessa, pelas veredas do sertão das Gerais.

Essa experiência rendeu frutos e virou um ensaio cinematográfico: "O Diabo na Rua, no Meio do Redemunho". É uma narrativa não linear que Bia exibe na 47ª Mostra de São Paulo nesta terça, às 17h45, no Espaço Itaú Frei Caneca 4.

Num fluxo de rememorações e vivências repleta de reflexões filosóficas, lendas e tradições, o jagunço Riobaldo relembra sua trajetória sertaneja: a juventude turbulenta, as experiências sangrentas no cangaço e o momento em que assume a liderança de seu grupo. Riobaldo é sempre acompanhado por Diadorim, um amigo misterioso que desperta sentimentos complexos no protagonista.

Ainda na Mostra, nesta quarta, a maratona cinéfila paulistana tem mais um (belo) trabalho de Caio na tela: "On Off", de Lírio Ferreira. A sessão será às 14h, no Cinesesc. A trama nos leva a uma noite de chuva torrencial na qual um renomado escritor encontra-se vagando sem documentos. Conduzido à delegacia, é confrontado pelo delegado sobre o que havia feito nas últimas quatro horas. O delegado confessa- se fã, Onoff não sabe o que confessar.

A maciça presença de Blat nas telas se conjuga com novas empreitadas profissionais em sua carreira. Em 2022, ele estreou como realizador de longas com "O Debate". Passou também a trabalhar como curador na seleção de longas do Festival de Gramado.

Na entrevista a seguir, Blat fala de encontros, descobertas e ousadias.

De que forma a releitura teatral de "Grande Sertão: Veredas" feita por Bia Lessa mudou o seu entendimento do seu papel no teatro e ampliou sua percepção do que o teatro pode revelar sobre o seu processo criativo?

Caio Blat: Meu encontro com a Bia mudou toda a minha vida e mudou também o meu entendimento no teatro, porque ela é muito visceral e parte para uma emoção direta. A gente nunca estudava o texto do Guimarães Rosa, nem pensava como encenar. Ela sempre ia direto para a emoção urgente da cena que a gente ia trabalhar e ia improvisando em cima disso. É um processo muito coletivo. Ela não se importa com enfeites, cenário, luz, música. Ela só se importa com a emoção verdadeira do personagem. Tudo mais fica secundário, vai entrando depois na composição da Bia, por mais esteta que ela seja. Ela me alertou para um teatro muito imediato, onde a gente mergulha de cabeça na emoção do personagem e toda a encenação se constrói depois.

Como foi reencontrar a dinâmica de Bia para o filme? O que saiu desse segundo olhar sobre Guimarães Rosa em "O Diabo na Rua, no Meio do Redemoinho"?

Quando Bia decidiu fazer o registro no cinema, a gente achou tudo muito louco, realmente. Era uma transposição difícil. Já havia sido difícil a transposição do livro para o palco. Transpor então para um estúdio... A gente ficou abismado com a ousadia dessa mulher mais uma vez. Acho que a principal diferença é que no teatro a gente estava numa arena 360º, com o público de todos os lados e, no cinema, há um único espectador, que é a câmera. Sob esse método, há um único foco, cada vez mais próximo do Riobaldo, cada vez mais próximo dos personagens. Então foi um zoom e um foco unidirecional para uma peça que era uma gira em 360º, uma arena. Uma experiência coletiva virou uma contação pr'um único personagem. É como se o espectador estivesse o tempo inteiro ali na frente do Riobaldo, bem colado nele mesmo. Para isso foi feita uma série de transposições de linguagem. É uma nova travessia, é um salto adiante.

Você participa da Mostra também com "On Off", de Lírio Ferreira, que concorreu ao troféu Redentor no Festival do Rio. O que essa trama de tons policiais te apresentou?

"On Off" foi uma experiência muito radical, que realmente me faz repensar tudo no cinema. Ele nasce de uma transmissão ao vivo de uma peça, daí vem a ideia de fazer tudo num plano sequência, porque essa apresentação começou com uma live na pandemia. É muito lindo quando você tem uma única unidade de tempo. O ator controla o ritmo, controla o tempo, faz um jogo com a câmera, que é uma coisa que eu adoro, mesmo em planos curtos. Um plano-sequência tem que ser, o tempo inteiro, um duelo do ator com a câmera, em que um está procurando o outro, um encontrando o outro, um se posicionando de acordo com o outro, dançando.

Você incorporou o audiovisual de maneira frontal. Rodou longa, virou curador de Gramado... o que essa nova dieta de cinema traz para o seu entendimento do seu papel como artista?

Eu nunca fiquei satisfeito só no papel de ator. Eu sempre quis saber tudo, entender tudo, participar de todas as decisões, criar a cena junto com o fotógrafo, com o diretor. Sempre dei muita opinião. Dirigir um filme foi um processo natural de querer dar conta do processo todo. Eu gosto muito de trabalhar no roteiro junto com o roteirista. Desde o desenvolvimento da ideia, até no encontro com o público, no lançamento, nos festivais. É importante estar em todas as pontas, em todas as fronteiras, participar do que está acontecendo no cinema brasileiro, lutar politicamente pelas nossas leis, pelos incentivos, pelos editais, pelos patrocínios, pela cota de tela, e lutar pela produção, para melhorar a qualidade dos filmes, trocar o máximo possível. Então, nessa lógica, é muito bom ser curador de um festival grande como Gramado para poder ver tudo que está acontecendo, selecionar, ajudar, selecionar os filmes que merecem destaque nesse momento, que merecem estar lá no tapete vermelho. Agora estou trabalhando no roteiro do "Cacilda", que é o meu próximo filme, e estou ao mesmo tempo na Mostra, lançando vários filmes. Todas as fronteiras me interessam.

 

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