Por: Rodrigo Fonseca | Especial para o Correio da Manhã

Irã, um tabuleiro político

'Zona Crítica', ganhador do Leopardo de Ouro, chega às telonas paulistanas | Foto: Divulgação

Ao selecionar seu representante para disputar uma vaga na competição pelo Oscar de Melhor Filme Internacional na Academia de Hollywood, em 2024, o Irã bateu o martelo em prol de "The Night Guardian", longa-metragem de visibilidade microscópica em âmbito global, de eixo melodramático. Reza Mirkarimi, seu diretor, conquistou a simpatia do regime político de sua pátria com a saga de um jovem que aprende a dor de confiar na pessoa errada, num ensejo de fábula sobre a inocência.

É um ensejo que se materializa na forma e um longa doído, mas de pouca ousadia, o que surpreende quem analisa o atual quadro autoral do cinema feito em solo iraniano. Surpreende e frustra, sobretudo frustra, em especial quem passa por uma joia como "Zona Crítica" ("Mantagheye Bohrani"). É o ganhador do Leopardo de Ouro de 2023, consagrado com a láurea máxima do Festival de Locarno, na Suíça, por suas potências múltiplas. Tem sessão dele às 19h40 no Espaço Itaú Augusta 2, na 47ª Mostra de São Paulo.

Transgressor nas telas e fora delas, tanto por assumir um traficante como um herói humanista quanto por seu modelo de filmagem avesso a autorizações e burocracias, "Critical Zone" ("Mantagheye Bohrani"), frenético longa-metragem de Ali Ahmadzadeh, deu a um país que o rejeita um cult de aclamação global. Seu conteúdo transgressor - a crônica do dia a dia de um traficante de bom coração, que entrega drogas a pessoas vulnerabilizadas pela vida ou pela opressão governamental - obrigou seu realizador a rodar a trama em sigilo, nas ruas de Teerã. Essa atitude (e a natureza do enredo) pode valer ao cineasta uma condenação legal, fora o fato de as autoridades iranianas rejeitaram qualquer reconhecimento à produção. Mas essa é uma realidade comum a muitos diretores daquela pátria, como o artesão autoral Jafar Panahi ("O Balão Branco"), que já ficou em prisão domiciliar mais de uma vez por sua liberdade de expressão. Ahmadzadeh corre perigo. O governo iraniano chegou a exigir que ele retirasse o longa de concurso. Mas a vitória em Locarno garante posteridade a seu nome e a seu trabalho. Nascido em 1986, ele começou a filmar em 2008 e já havia atraído elogios por "Kami's Party" (2013). Agora, após o rugido de um dos troféus mais cobiçados do audiovisual, ele deixa um legado para a História.

"Esse filme é um grito de rebeldia de uma hora e meia", disse o ator e cantor Lambert Wilson, o presidente do júri de Locarno.

Outro filme iraniano abraçado ao risco a passar pela Mostra de SP é "Aquiles", de Farhad Delaram. Em sua trama, um ex-cineasta trabalha à noite como ortopedista em Teerã. Numa ala restrita da psiquiatria do hospital, ele conhece uma paciente sedada, uma presa política internada há anos. Juntos, eles se tornam fugitivos.

 

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