Por: Rodrigo Fonseca (Especial para o Correio da Manhã)

ENTREVISTA / CAROLINA MARKOWICZ: 'A comunidade LGBTQIA brasileira vive uma tragédia que por vezes é patética'

Um ano depois de brilhar em San Sebastián com ‘Carvão’, a realizadora paulista, aclamada em Toronto há duas semanas, regressa ao festival espanhol com ‘Pegdágio’, sobre cura gay | Foto: Hanna Vadasz/Divulgação

Homenageada no Festival de Toronto, no último dia 10 com o Tribute Awards, na categoria Talento Emergente, a diretora paulista Carolina Markowicz encantou com os canadenses com seu olhar irreverente sobre pecados morais do Brasil (entre eles o crime da homofobia), que chega hoje à Espanha. Um ano depois de ter brilhado nas telas de San Sebastián com "Carvão", ela regressa ao evento espanhol, na seção Horizontes Latinos, com "Pedágio".

Maeve Jinkins tem um desempenho arrebatador no papel da mãe solteira, cobradora de uma cancela de estrada, que resolver submeter seu filho adolescente a um processo de cura gay. O rapaz é vivido por Kauan Alvarenga, astro do curta que rendeu à realizadora a Queer Palm de Cannes, em 2018: "O Órfão".

Na entrevista a seguir, Carolina explica ao Correio da Manhã qual retrato da hipocrisia brasileira vai projetar nesta sexta-feira em San Sebastián.

Que "Pedágio" o fundamentalismo que prega a cura gay cobrou do Brasil? De que maneira seu filme dialoga com outras narrativas recentes (Boy Erased, Tremblores) sobre o tema?

Carolina Markowicz: O grande pedágio que o fundamentalismo cobra é a herança de seus preceitos ao não fundamentalismo. Uma sociedade em que a homofobia é disseminada de tal modo a que a orientação sexual "não-normativa" é mal vista até para quem não segue qualquer religião. A homofobia amalgamada na sociedade civil, independente de fanatismos. É o microcosmos da vergonha, da vergonha da vizinha e do amigo do trabalho, do julgamento de quem está ao redor. Acho que as outras narrativas recentes que você cita tratam o assunto com o devido drama, já "Pedágio" trata com o devido sarcasmo. A comunidade LGBTQIA brasileira vive uma tragédia que por vezes é patética. Alguns comportamentos de políticos ou pastores são emblemáticos, e cada semana é um novo show de horror, como o deputado na semana passada, citando apelidos de órgãos genitais na câmara dos deputados em sua guerra particular contra identidade de gênero. Aí você vê aquele senhorzinho falando que homem tem "binga" e mulher "tcheca" e é impossível não vislumbrar a tragicomédia. Sempre muito violenta, mas extremamente patética.

Que Brasil reside ali naquela cancela onde a personagem de Maeve Jinkins trabalha?

O Brasil que lá reside é o da mãe solteira, chefe de família, responsável pelo sustento do filho. E para isso, enfrenta uma vida dura, acorda quando o sol ainda não nasceu, tem que resolver tudo sozinha e com poucos recursos. E ainda está fadada aos julgamentos religiosos e sociais das pessoas ao seu redor. Ninguém se compadece com essa mulher, há apenas cobranças em relação ao que essa sociedade espera dela, e dos descendentes que ela gerar.

De que maneira Kauan Alvarenga amadureceu como ator desde seu "O Órfão"? Que universo queer as narrativas de vocês investigam?

Kauan agora é um homem de 18 anos, e não mais um adolescente de 13. É uma fase em que poucos anos suscitam grandes diferenças. Ele amadureceu como pessoa e como ator, mas sem perder o que considero o mais admirável nele: a naturalidade e, sobretudo, a ausência total de deslumbramento, fator fundamental para a espontaneidade de um ator jovem. Minhas narrativas investigam um universo queer onde não existe (ainda que exista!) vítima e algoz. É um lugar onde as contradições do ser humano, influenciado pelo tempo e espaço em que vive são o ponto principal a ser enxergado. Sem uma romantização, mas com a potência da complexidade.

Como foi a acolhida para "Carvão" em San Sebastián, em 2022, e que expectativa você tem para "Pedágio" nesse seu regresso à Donostia?

San Sebastián foi extremamente generosa com "Carvão". Passamos dias incríveis e o filme foi muito bem recebido. Foi emocionante ver a reação da audiência ao final da sessão e o teatro lotado, seguindo lotado para a sessão de Q&A (perguntas e respostas). Sempre acho esse um belo termômetro do interesse do público pelo filme. Espero que o público se divirta e se emocione com "Pedágio" também. Estamos aqui com os dois protagonistas, Kauan e Maeve, e com grande parte da equipe, além de ser nossa première europeia. Portanto será muito emocionante.

Que representação da força feminina Maeve tem te ajudado a criar?

Maeve é uma atriz genial. É uma potência em trazer à tona emoções tão complexas. E tem um entendimento do tipo de humor que acredito, que é o humor austero, ácido, que se confunde e se mistura ao drama. Desconfortável. Uma atriz como ela é sempre uma força magnética para um filme.

 

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado.