Por Rodrigo Fonseca
Especial para o Correio da Manhã
Nascida em San Sebastián, no norte da Espanha, em 1961, e consagrada no cenário mundial do cinema de animação com os curtas "Bajo La Almohada" (2012) e "La Gallina Ciega" (2005), fez de sua terra natal o berço para sua estreia em longas-metragens: o tratado feminista "El Sueño De La Sultana". Sua direção de arte arrebatou a cidade, representantes da crítica internacional e a classe artística.
Entusiasta das múltiplas linguagens da indústria animada, a ponto de ter aberto a edição nº 71 do evento com um desenho do mestre japonês Hayao Miyazaki ("The Boy and the Heron"), o diretor artístico da maratona espanhola, José Luis Rebordinos, tratou Isabel como prata da casa e lhe abriu uma vaga na competição oficial. Ela é a única voz autoral de seu setor a concorrer à Concha de Ouro de 2023.
Seu filme parte de um conto sci-fi indiana de 1905 sobre uma nação utópica chamada Ladyland, onde as mulheres estão no poder. Na entrevista a seguir, Isabel fala de sua investigação narrativa ao Correio da Manhã.
Seu sucesso na competição de San Sebastián, com fortes chances de prêmio, põe seu nome em relevo na recente onda de mulheres que estrearam na direção de longas buscando debater a luta pelo empoderamento feminino. Como esse boom de realizadoras te inspira?
Isabel Herguera: Cresci numa cultura cinematográfica na qual o ponto de vista hegemônico das narrativas era masculino. Toda a história da Nouvelle Vague, com exceção de Agnès Varda, foi pilotada por homens. O neorrealismo é um movimento de homens. Em todos os movimentos que transformaram o cinema, as mulheres eram personagens de histórias que eram narradas por homens. Esse foco agora se expandiu. Nos últimos 20 anos, podemos falar de heroísmo sem falar de John Wayne. Não há mais uma exclusividade para os caubóis. As histórias sobre mulheres estão nascendo de nós, mulheres. Mas é importante dizer que o cenário de trabalho em que debutei, a animação de curtas-metragens, sempre teve lugar para nós. Nos longas, isso está mudando. Estamos chegando.
Como é a realidade da indústria animada espanhola?
Eu sou uma cria do curta-metragem, espaço onde não existe uma cobrança de resultado no orçamento. É um lugar de produção independente, de temas adultos, onde todas as questões podem ser tratadas de modo frontal. Era virgem nas dinâmicas industriais do cinema até pouco tempo.
Como foi a construção de "El Sueño de la Sultana" em sua relação com a tradição gráfica do Velho Mundo?
Encontrei o livro que nos inspirou em 2012 e comecei a desenvolver o filme em 2017. Nosso orçamento era mínimo, bem menos do que necessitávamos. A produção levou três anos, acontecendo durante a pandemia, em que o modelo de teletrabalho funcionava bem nas práticas processuais da animação, onde as etapas da construção do filme podem ser feitas isoladamente por cada artista. Usei muitas referências da pintura, de quadrinhos e da literatura indiana.
Desde 2019, o maior festival de animação das Américas, o Anima Mundi, está suspenso, por uma falta de verbas inerente à política (anti)cultural do ex-presidente Jair Bolsonaro. Que memórias tem do evento?
Sou amiga de Léa Zagury e de Marcos Magalhães, que integram o núcleo fundador do evento. É uma lástima ele não estar acontecendo. Gerações de talento surgiram do Anima Mundi. Era um festival muito generoso, que verberava mundialmente, e conseguia levar nossos filmes para o Rio, para São Paulo, para Brasília. É um absurdo sua ausência.
Também incluída na seleção oficial de San Sebastián, mas fora de concurso, a animação espanhola "Atiraram no Pianista", de Fernando Trueba e Javier Mariscal (que abre o Festival do Rio, no próximo dia 5), ganhou uma versão em quadrinhos na Europa. Podemos esperar o mesmo para "El Sueño de La Sultana"?
Transformar uma animação numa HQ é um caminho natural em que penso, que desejo. Mas o filme ficou pronto tem cerca de dez dias. Nada está definido para seu futuro.