Por: Rodrigo Fonseca (Especial para o Correio da Manhã)

ENTREVISTA / VALÉRIA SARMINETO, CINEASTA E MONTADORA: 'Nossas ilusões desapareceram'

Comemorando 51 anos de carreira, a diretora chilena obrigada a se radicar na França com a queda de Allende passa em revista o golpe de estado em seu país no filme 'El Realismo Socialista', que iniciou em 1973 com seu finado companheiro, Raúl Ruiz | Foto: Rodrigo Fonseca

Imagens arrebatadoras do Chile de 1973, às vésperas da derrocada do governo de Salvador Allende, arrebatam o 71º Festival de San Sebastián durante as projeções de um filme candidato a virar um marco da memória política da América Latina: "El Realismo Socialista".

Sua exibição na Europa marca a efeméride de cinco décadas daquele golpe militar e demarca 51 anos de carreira da realizadora chilena Valeria Sarmiento. Nascida em Valparaiso, foi ela quem finalizou o longa iniciado no fim dos anos 1970 por seu companheiro de vida e de obra, o cineasta Raúl Ruiz (1941-2011), com quem se casou em 1969. Ela foi parceira dele como montadora e codiretora, trabalhando a seu lado nos cults "Klimt" (2006) e "Genealogias de um Crime" (1997).

A seu lado na maratona cinéfila espanhola, a diretora estava com a produtora Chamila Rodríguez, que a apoiava na luta para divulgar seu tratado sobre o legado do socialismo em solo hispânico.

"Estamos trabalhando para lançar o filme num circuito independente de modo a democratizar seu lançamento", diz Chamila ao Correio. "É a mirada de uma artista livre", diz, referindo-se ao empenho de Valeria.

Depois de ter rodado "Un Sueño Como De Colores", em 1972, Valeria estava ao lado de Ruiz quando ele colhia depoimentos para o corte final de "El Realismo Socialista".

A reação das forças armadas do Chile contra Allende forçou o casal a zarpar para a França. No Velho Mundo, ele rodou clássicos das telas como "O Tempo Redescoberto" (1999) e ela rodou "Amélia Lopes O'Neill (com Laura del Sol e Franco Nero), que foi indicado ao Urso de Ouro de 1991. Concorreu ao Leão de Ouro de Veneza em 2012 com "As Linhas de Wellington".

Na entrevista a seguir, Valeria conta ao Correio da Manhã o quão abertas estão as veias de nuestros hermanos.

De que Chile a senhora fala em "El Realismo Socialista" e qual é o Chile que espera a chegada desse filme?

Valeria Sarmiento: Foi deprimente reencontrar aquele Chile de 1973 num material deteriorado que engloba até o bairro onde vivi. Uma jornalista classificou o nosso filme como "a história de uma derrota" e entendo seu ponto de vista, pois todas as nossas ilusões democráticas de então despareceram. O Chile que deve receber o nosso filme é, de certa medida, um espelho do que passamos, não por haver uma hipótese de golpe, mas por vermos a direita se fortalecer por lá.

Qual é o sonho que Raúl e a senhora registraram nos anos setenta?

O sonho de mudar a realidade de um país. O passado mostrou que esse sonho não se concretizou.

Qual é a relação que um filme como "El Realismo Socialista" trava com a memória, como documento de época?

Há um testemunho ali, mas para a minha geração, falar de memória é constatar que nossos contemporâneos estão desparecendo. A minha geração está sumindo.

O que o cinema europeu lhe ofereceu de mais sólido em todo o tempo que vem filmando.no Velho Mundo desde que rodou "La Dueña de Casa", na França, em 1975?

A Europa me deu uma estabilidade que eu não teria no Chile.