Por Rodrigo Fonseca
Especial para o Correio da Manhã
Escanteado por Hollywood desde sua interpretação do Filho do Homem em "A Paixão de Cristo" (2004), o ator Jim Caviezel passou a figurar entre as apostas para o Oscar de 2024 desde que seu mais recente filme - e que filme! - virou um dos sucessos mais inesperados do ano: "Som da Liberdade" ("Sound of Freedom").
Rodado há cinco anos, parte em solo colombiano e parte na Califórnia, ao custo de US$ 14,5 milhões, esse thriller com essência de melodrama, dirigido pelo mexicano Alejandro Monteverde (premiado no Festival de Toronto por "Bella", em 2006), faturou US$ 210,5 milhões.
Lucrou alto depois de um laaaaargo período na fila das produções sem tela. Sua essência cristã católica, endossada pela presença de Mel Gibson entre seus produtores, e o fato de operar sobre um caso real cercado de controvérsias pôs a saga do agente Tim Ballard (papel de Caviezel, numa agigantada e alumbrada atuação) na mira das mais indóceis patrulhas ideológicas.
Apesar delas e de muita desconfiança por parte da crítica, o longa chega ao Brasil nesta quinta-feira (21) e promete ter um faturamento astronômico.
Circundado por "Nosso Sonho - A História de Claudinho e Buchecha" e "Os Mercenários 4", que têm um perfil popular de ressonância também na classe C, D e E, "Som da Liberdade" chega nas mais atrativas companhias, o que pode simbolizar uma sinergia de público para seu lançamento. Mídias de ascendência religiosa, simpáticas ao Vaticano, têm demonstrado forte adesão ao longa, que se embrenha por um dos temas mais sombrios do planeta: o tráfico sexual de crianças.
De cara, uma cartela de abertura diz: "Baseado em fatos reais". É uma suspensão de qualquer potencial descrença que a plateia venha a ter em relação à descida ao Inferno empreendida por Ballard, um especialista no combate à pedofilia. A crença de que "filhos de Deus não podem ser comprados" move seus passos depois de salvar um garotinho de uma rede de exploradores de menores nos EUA. Tal rede tem como base a Colômbia, e é para lá que ele parte a fim de salvar a irmã do rapazinho que resgatou. A princípio, tem o indulto da agência de segurança Homeland Security Investigations (HSI), órgão do governo do Estados Unidos. Mas ao se embrenhar nas entranhas da América Latina, seu principal aliado na missão é Vampiro, um ex-contraventor outrora ligado a lavagens dos dólares do narcotráfico, personagem que pode render ao ator Bill Camp uma indicação à estaueta de Melhor Cadjuvante. Caviezel e ele têm covalência plena na química cênica. Juntos, encaram uma célula guerrilheira na selva, de modo a defender infâncias ameaças por pedófilos.
Essa dobradinha deles, que garante à narrativa um eco de "Rambo II - A Missão", só teve chance de sair do circuito exibidor dos EUA graças ao esforços do Angel Studios, empresa católica de Utah, fundada em 2021. É ela a grife por trás da produção e da circulação mundial de projetos como a série "The Chosen". Com o sucesso de "Som da Liberdade", seu prestígio se amplia. É inegável o tom retórico catequético do filme. Trata-se de uma aula de publicidade, com um roteiro impecável - de zero obviedade - cuja direção explora de modo hábil a gramática do folhetim e do suspense. O terço final é enervante. Mas no olhar umedecido de Caviezel sua estratégia dá lugar a um espectro de empatia. Um espectro arrebatador. É assumidamente publicitário, mas, ao mesmo tempo, sabe ser encantadoramente preciso.