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'Operação: Dragão' contra o machismo

Lutas exuberantes consagram o filme 'A Vingança é Minha...', um thriller de king fu da Indonésia | Foto: Divulgação

Por Rodrigo Fonseca

Especial para o Correio da Manhã

É cedo para saber quem vai conquistar o Leopardo de Ouro de 2023, embora haja torcidas bem organizadas em torno do longa luso-suíço "Manga d'Terra", de Basil da Cunha. No ano passado, o troféu mais importante do evento, o Leopardo de Ouro, rugiu para o Brasil, consagrando Julia Murat e seu "Regra 34", já lançado comercialmente.

Contudo, o longa vencedor da edição que inaugurou o atual (e elogiadíssimo) recorte curatorial do evento - proposto pelo diretor artístico Giona A. Nazzaro - segue inédito em telas brasileiras. "A Vingança É Minha, Todos os Outros Pagam em Dinheiro" ("Seperti Dendam, Rindu Harus Dibayar Tuntas"), da Indonésia, não teve espaço em circuito por aqui.

Ecos de Bruce Lee (1940-1973) ampliam as taxas de adrenalina que rega esse longa. Dirigido por Edwin, um designer e cineasta de 45 anos que (como todo grande artista de sua cidade, Surabaya) usa apenas o prenome, "A Vingança é Minha..." é um thriller de kung fu (e outras lutas) nos moldes dos clássicos de Hong Kong.

Lembra Jackie Chan, parece com os clássicos de Michelle Yeoh e evoca o cult "O Dragão Chinês" (1971). Seu diferencial em relação a seus congêneres está na maneira como a trama detona o machismo e todas as práticas sexistas. Começa pelo detalhe de que um dos personagens centrais, o feroz lutador Ajo Kawi (Marthino Lio), imbatível nos socos e nos pontapés, estar enfrentando uma impotência sexual incontornável. Nem ervas, nem mandingas resolvem sua situação.

"Há uma tradição de filmes de artes marciais que revisitaram o conceito de Bem e de Mal por meio de uma reflexão sobre justiça social, em que as lutas eram uma forma de corrigir uma série de contradições inerentes à opressão social. Nos anos 1980 e 90, quando minha geração teve acesso a essas histórias de batalha, descobrimos uma mirada política que nos permitia vislumbrar uma saída para a realidade de governo que nos cerceava", disse Edwin ao Correio da Manhã em Locarno, dias antes de sua vitória, referindo-se à ditadura do general Hadji Mohamed Suharto (1921-2008), vigente de 1967 a 1998, em terras da Indonésia.

Sua fonte foi um livro homônimo de Eka Kurniawan do qual extraiu a desconstrução física e moral dos gêneros narrativos e da representação do código da masculinidade. "Vengeance Is Mine, All Others Pay Cash" é o título usado pelo cineasta para a carreira internacional de seu longa, que pode se estabelecer como um campeão de bilheteria, à força de sua narrativa de ação. "Na diversão, há espaço para a educação contra a exploração", diz o diretor.

Indicado ao Urso de Ouro da Berlinale de 2012 com "Postcards From The Zoo", Edwin diz que a Indonésia tem uma produção cinematográfica pop vasta, com filmes cujo orçamento gravita entre € 500 mil e € 2 milhões, lotando salas. "Até filme de super-herói a gente faz", gaba-se.

Construído a partir de uma montagem tensa, que torna ainda mais dinâmicas suas sequências de pancadaria, com ângulos de matar Van Damme de inveja, "A Vingança É Minha, Todos os Outros Pagam em Dinheiro" é uma junção de melodrama e thriller. Em seu enredo, Ajo Kawi quebra os ossos alheios por dinheiro, trabalhando para um chefão do crime, cujos desafetos ele extermina a soco. Numa missão em uma empreiteira, ele esbarra com uma jovem tão furiosa e letal quanto ele: Iteung (Ladya Cheryl). Os dois têm uma luta mortífera da qual Kawir sai todo quebrado, mas vencedor. Obcecado com a mulher que, por pouco, não o fez beijar a lona, ele vai atrás dela e os dois se apaixonam e se casam, apesar de o problema dele persistir.