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'O pop não precisa se limitar a Hollywood'

Giacomo Abruzzese | Foto: Manuele Geromini/Divulgação

Por Rodrigo Fonseca

Especial para o Correio da Manhã

Nascido em Taranto, na Itália, há 40 anos, e consagrado como curta-metragista com seis pílulas audiovisuais rodadas entre 2007 e 2021, Giacomo Abbruzzese fez sua passagem para o formato dos longas de forma consagradora em fevereiro deste ano, concorrendo ao Urso de Ouro da Berlinale 2023 com uma produção que vem sendo tratada como um dos mais ousados experimentos indies do ano nas telas: "Disco Boy".

A cinefilia brasileira poderá se deleitar com esse ensaio sobre (não) pertencimento do cineasta a partir de quinta-feira, quando a Pandora Filmes põe o filme em cartaz país adentro. Fora aplausos e elogios, o Festival de Berlim confiou a esse misto de drama existencial e thriller bélico a láurea de Melhor Contribuição Artística, dada à sua direção de fotografia, assinada pela francesa Hélène Louvart (que trabalhou com o cearense Karim Aïnouz em "A Vida Invisível").

Amparado numa ginástica de iluminação e de enquadramentos nada convencional, "Disco Boy" propõe uma espécie de amalgama existencial e sensorial entre o revolucionário Jomo (Morr Ndiaye), do Níger, e o imigrante ilegal bielorrusso Aleksei (Franz Rogowski, em genial atuação). Enquanto o jovem nigerense se une à guerrilha contra companhias de petróleo, o "alien" eslavo se alista na Legião Estrangeira como forma de ganhar a nacionalidade francesa. Após o grupo de Jomo sequestrar cidadãos franceses, Aleksei é enviado para comandar uma operação a fim de detê-lo. Mas uma conexão nas raias do misticismo vai aproximar os dois.

Na entrevista a seguir, Abbruzzese disseca sua mirada sobre a globalização.

Um de seus protagonistas, Franz Rogowski, é um coreógrafo e dançarino aclamado, e leva sua técnica corporal para o filme. Como foi a criação das sequências de dança?

Giacomo Abbruzzese - Li uma crítica na imprensa italiana, na época da Berlim, que classificava o filme de "um musical à mão armada". Achei aquela definição muito sagaz. É uma narrativa performática em muitos sentidos, não só pela dança. Tivemos uma construção de personagem muito pautada pela fisicalidade. O filme busca ser pop, sem perder sua essência reflexiva. Eu não queria fazer um filme que se limitasse a cinéfilos. Desde meus curtas eu penso assim. O pop não precisa se limitar à Hollywood. Uma pequena produção europeia que passou dez anos em gestação e não conta com astros também pode ter essa natureza de conexão popular.

Você vem da pátria de Fellini e Pasolini, diretores que conseguiram operar nesse registro de que fala, sendo críticos, reflexivos e populares. O grande cinema italiano de outrora te inspira ou acaba sendo um fantasma, que te impõe a necessidade de negar o passado?

Dos mestres italianos, Michelangelo Antonioni foi importante pra mim. Eu tenho mais conexão com o cinema político feito nos anos 1960 e 70 do que com o de hoje. Esse cinema do passado tinha ambições de reescrever o imaginário e de reinventar o mundo mesmo seguindo trilhas narrativas nas quais o essencial era contar bem uma boa história. Dos anos 2000 para cá, o uso da câmera na mão, a redução da paleta de cor e a aposta na hegemonia do discurso sobre a trama tirou do cinema a habilidade de criar personagens que sejam maiores do que a vida. Godard dizia que é preciso ser político já no set. isso deve ser lembrado.

Existe, nos dois personagens centrais, uma dimensão solitária que parece assombrá-los. Qual é a dimensão política e existencial dessa solidão e como ela flerta com o silêncio?

Trabalhei com meu designer de som uma dimensão de ruídos que traduz a cabeça de Jomo e de Aleksei, propondo inclusive um momento em que a respiração de ambos, mesmo em espaços distintos, vem a se cruzar. O som deles inspirando e expirando marca o filme, delineando esse silêncio que você aponta. Essa solidão que transparece faz menção ao fato de Aleksei ser uma espécie de órfão, marcado pela perda de um amigo, que vê na Legião Estrangeira não apenas uma forma de obter um passaporte francês, mas, também, um meio de experimentar a fraternidade.

Como se deu o trabalho de pesquisa para a construção do roteiro de "Disco Boy?

Sigo um método comum a todos os meus filmes em que faço muita pesquisa de campo, com entrevistas construídas como se fossem documentários, e parto dela para uma dimensão abstrata, que me serve de base para a dramaturgia. Nessa dimensão os pequenos gestos que revelam os personagens são essenciais.