Por Rodrigo Fonseca
Especial para o Correio da Manhã
Em sua primeira exibição internacional, no Festival de Cannes, onde foi saudado como obra-prima por muitos e como um filme confuso por alguns poucos, "Indiana Jones e a Relíquia do Destino" mobiliza atenções numa das temporadas mais concorridas do circuito brasileiro da pandemia pra cá, com novo "Transformers", uma super animação do Homem-Aranha Miles Morales e "Velozes & Furiosos 10".
A fim de mobilizar atenções para o lançamento do longa, no dia 29 de junho, a plataforma Disney está exibindo os filmes originais da franquia, dirigidos por Steven Spielberg entre 1981 e 1989, com direito à dublagem original, com Júlio Cezar (que morreu em 2014) dublando Harrison Ford. Sua voz também pode ser ouvida em "O Reino da Caveira de Cristal", de 2018, o quarto e menos valorizado título da série. Todos trazem a grife Steven Spielberg nos créditos de direção. O novo, não, é de James Mangold.
"O que faz o encantamento acontecer num set é a sinergia entre todos os integrantes, o trabalho em equipe. Por vozes, você, como ator, chega com tudo matematizado, e a técnica te mostra onde a mágica está", disse Harrison Ford ao Correio da Manhã, pode antes de ter seu físico (hoje octogenário) elogiado por uma jornalista que o chamou de "gato" na Croisette. "Eu conhecia os filmes de Mangold, o que me deixou estimulado a trabalhar com ele.
Depois de ter levado Sylvester Stallone a uma transformação física de aumento de peso no fenomenal "CopLand" (1997), James Mangold conseguiu reduzir um dos mais admirados super-heróis da Marvel, o Wolverine, num arremedo trágico de si mesmo, envelhecido, ferido e cansado de guerra em "Logan", o filme de encerramento da Berlinale 2017. Filme que, para muitos, é a obra-prima dramatúrgica da franquia "X-Men" nas telas. "Ford vs. Ferrari" (2019) mostrou a habilidade que o cineasta tem para lidar com velocidade e com narrativas de tom cinemático. Diante de um histórico desses, não é de se admirar que a relação do realizador com Indiana Jones fosse transformar radicalmente o personagem, mas - como tudo o que o diretor faz - sem perder a sua essência existencialista. É o mesmo Indy de sempre, como antigamente, porém maculado por dores da História (e de sua história) numa aventura que é pura vertigem.
"Eu não sou um diretor que chega aos sets com storyboards fechados, com tudo pronto. Eu crio o filme no calor do set", disse Mangold.
Passados 42 anos desde a estreia de "Os Caçadores da Arca Perdida" (1981), que foi exibido em tela grande em fevereiro, na Berlinale, em tributo a Spielberg, Ford preservou sua dimensão heroica, mesmo militando em outras mídias, como as séries "1923", da Paramount, e "Falando a Real", da Apple TV. "Adoro esse trabalho com seriados, mas quero estar no cinema", disse o astro, que concorreu ao Oscar em 1986, por seu desempenho no genial "A Testemunha", de Peter Weir.
Hoje um senhor de 80 anos, ele ainda é capaz de emanar o mesmo carisma de outrora e contagiar plateias com seu charme de herói ao acaso. Ganhou até uma Palma Honorária pelo conjunto de sua carreira em Cannes, onde a nova saga do arqueólogo mais famoso da cultura pop fez sua estreia global. É o primeiro longa do personagem sem Steven Spielberg, porém Mangold faz jus ao legado do antecessor - e que antecessor! - em sequências de ação de cair o queixo, dosando a violência para adequar a narrativa à linha de Family Film (entretenimento pra toda a família) essencial à franquia.
Assim como se viu em "Os Caçadores da Arca Perdida" e em "A Última Cruzada", de 1989, os vilões de "Indiana Jones e a Relíquia do Destino" são nazistas. Um cientista formado pelo Reich, Jürgen Voller, interpretado por Mads Mikkelsen (de "A Caça"), é a encarnação do Mal aqui, sempre acompanhado de um capanga agressivo vivido por Boyd Holbrook, atual ator assinatura de Mangold, e seu parceiro em "Logan". O objetivo de Voller é adquirir um artefato - uma espécie de bússola e ábaco - desenhado pelo geômetra Arquimedes que pode, supostamente, fazer seu usuário voltar no tempo, encontrando uma fissura no cosmos. Um Indiana largado pela esposa (Karen Allen) e recém-aposentado de seus compromissos com a universidade, é arrastado numa busca por essa peça por sua afilhada, uma contrabandista (ou quase isso) vivida por Phoebe Waller-Bridge (da série Fleabag). Sua personagem esbanja bom humor no filme todo, mas o pique de tensão da narrativa jamais cai. Tem risos, tem suspiros, mas é vertigem total, como se via no melhor de Spielberg.
Nos trailers brasileiros de "A Relíquia do Destino", Ford foi dublado por Luiz Antônio Lobue e Marcelo Pissardini, sem ter se encaixado bem em nenhuma das vozes. Guilherme Briggs e Garcia Junior são hoje os atores em dublagem que melhor encarnariam o velho Indy.