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Holofotes sobre Lucrecia Martel

Site do Visions du Reel, na Suíça, destaca a diretora argentina como convidada de honra | Foto: Divulgação

Por Rodrigo Fonseca

Especial para o Correio da Manhã

Ao abrir suas atividades nesta sexta-feira, na Suíça, com alguns dos títulos mais premiados do ano (como "Orlando, Ma Biographie Politique", de Paul B. Preciado, e "Sur L'Adamant", o Urso de Ouro da último Berlinale), o Visions du Réel, um dos mais prestigiados festivais do mundo na seara documental, vai deixar uma porta pra ficção aberta ao acolher a argentina Lucrecia Martel como convidada de honra. Nesta segunda, ela vai receber um prêmio honorário, com direito a uma projeção do longa que a consagrou: o drama "La Ciénaga - O Pântano" (2001). No dia seguinte, ela faz uma masterclass em que abordará um de seus assuntos centrais: a engenharia sonora das narrativas fílmicas. Embora seu filme mais recente, "A Camareira", exibido na Mostra de São Paulo de 2022, seja um curta ficcional com elementos fantásticos, a cineasta mais famosa da província de Salta - onde nasceu há 56 anos, numa Argentina que iria sofrer muito com a ditadura - tem um histórico de peso com a não ficção. É o caso do curta "Terminal Norte", em cartaz na plataforma MUBI. Espera-se que o Festival de Cannes (que vai de 16 a 27 de maio) possa receber seu novo longa, um .doc, cujo nome, "Chocobar", faz jus a um líder indígena que foi vítima das disputas fundiárias em seu país. Como esse projeto teve um apoio de um edital do Festival de Locarno, na Suíça, pode também ser exibido lá.

"Quando eu era mais moça, eu costumava falar em classes sociais e suas diferenças, mas percebi que, hoje, o conceito político mais adequado à divisão da sociedade latino-americana seria 'casta', dado ao processo de concentração de renda que vemos no processo capitalista e a separação que ela gera entre pessoas que não se encaixam em determinadas faixas de renda", disse Lucrecia ao Correio da Manhã quando lançou seu último longa de ficção, "Zama", produzido por Vânia Cattani (Bananeira Filmes) e pela El Deseo dos irmãos Almodóvar.

Presidente do júri de Veneza em 2019, quando "Coringa" ganhou o Leão de Ouro, Lucrecia é respeitada por suas reflexões feministas e pela mirada política contestadora que faz de seu continente. Esses elementos integram o comunicado que o Visions du Réel usam para calçar sua homenagem, com base num texto do crítico Dennis Lim.

Segundo ele: "Lucrecia Martel fez sua estreia internacional com seu primeiro longa-metragem, 'La ciénaga', rodado em sua região natal, e, desde então, ela tem sido a encarnação do renascimento cinematográfico argentino tanto na cena nacional quanto internacional. Com quatro longas-metragens e 25 títulos em curta ou publicidade no total, a filmografia da diretora continuou a deixar sua marca em seu país num contexto pós-ditatorial, assim como nos festivais mais prestigiados. Através de uma gramática cinematográfica altamente sensorial, os filmes de Lucrecia Martel examinam a crise existencial da classe média argentina, o funcionamento da sociedade e a mecânica social sufocante do país".

Além de Lucrecia, o Visions du Réel receberá a diretora americana Laura Poitras, indicada ao Oscar deste ano com "All The Beauty And The Bloodshed", para uma projeção neste domingo. Numa mirada feminista, o filme aborda uma série de batalhas encaradas pela artista visual Nan Goldin numa narrativa visualmente requintada, que rendeu à cineasta o Leão de Ouro de Veneza, em setembro do ano passado. Outra voz feminista que terá destaque no Visions será a diretora italiana Alice Rohrwacher, que concorreu ao Oscar de Melhor Curta de ficção com "Le Puppile". Neste sábado, o thriller pernambucano "O Som ao Redor" (2012) vai ser projetado no festival para aproveitar a escalão de seu diretor, Kleber Mendonça Filho, para o júri oficial.