Por Rodrigo Fonseca
Especial para o Correio da Manhã
Em meio à agitação de distribuidores, exibidores e programadores de canais no European Film Market (EFM) da Berlinale, acerca do que possa brilhar em circuito daqui até dezembro, corre pelo Velho Mundo, a partir do Festival de Berlim a hipótese de que "Oppenheimer" possa ser o filme de abertura do Festival de Cannes, no dia 16 de maio, transformando em realidade um sonho antigo da Croisette de ter o diretor inglês Christopher Nolan em seus quadros. Objeto de culto desde a trilogia "Batman" (2005-2012), com Christian Bale, ele despontou aos olhos da crítica com "Amnésia", em 2000. Filmes como "Inception - A Origem" (2010) e "Dunkirk" (2017) só aumentaram a adoração e seus fãs, que hoje correm para as livrarias atrás da versão romanceada do que muita gente considera sua obra-prima: "Interestelar" (2014).
Integrante do atual cardápio da HBO Max, no Brasil, o filme virou livro pelas mãos do escritor Greg Keyes, que adaptou o roteiro dessa cultuada sci-fi, escrito por Christopher com seu irmão mais novo, Jonathan Nolan. A edição no Brasil é da Gryphus.
"Cresci numa casa de classe média baixa da Inglaterra num momento em que a literatura era a única forma de driblarmos as inquietações sociais que nos cercavam, libertando nossa imaginação. Mas quando eu tinha 7 anos, em 1978, meu pai me levou no maior cinema de Londres pra ver '2001 - Uma Odisseia No Espaço', numa sessão que comemorava os dez anos do lançamento do clássico de Stanley Kubrick. Saí da sessão com a certeza de que o cinema é capaz de tudo", disse Nolan em Cannes, numa masterclass sobre preservação de longas feitos em película, em 2018, quando abriu seu coração sobre sua formação. "Eu venho de uma escola noir, por conta do interesse do gênero nos conflitos sociais e nas ambiguidades que eles geram no dia a dia. O noir é uma derivação policial do melodrama, que entra em cena, nas telas, para qualificar situações de sentimentos extremos. Por isso, meus personagens se revelam por suas ações mais extremadas. Por isso, eu respeito as paixões que brotam da dimensão sensorial da imagem. No cinema que eu faço, a música tem um papel crucial: a trilha funciona como um relógio que dita o ritmo dos acontecimentos".
Excessos melodramáticos e uma música de acordes líricos (composta por Hans Zimmer) são as bússolas de "Interestelar", uma produção de US$ 165 milhões, cujo faturamento nas bilheterias chegou a US$ 675 milhões. De quebra, o filme papou um merecido Oscar de efeitos visuais. Dois elementos guiam a dramaturgia cinematográfica do cineasta inglês Christopher Jonathan James Nolan: culpa e necessidade de controle. Há uma mistura covalente de ambos no combustível afetivo que alimenta os motores de Interestelar. Matthew McConaughey, seu protagonista, merecia prêmios pela aventura sci-fi do homem em busca de um planeta capaz de abrigar a população da Terra, em um futuro assolado por poeira, fome e medo. O romance derivado do filme, editado pela Gryphus, ressalta essa natureza catastrofista, que parece ser a pauta também de "Oppenheimer".
Nolan escreveu seu novo filme a partir do livro "Prometheus", de Kai Bird e Martin Sherwin, no qual os autores abrem um debate sobre os dilemas éticos e morais de J. Robert Oppenheimer (1904-1967), o físico responsável pela criação da bomba atômica. No longa, esperado para 21 de junho, Cillian Murphy (astro da série "Peaky Blinders") faz o papel principal. Xodós de Nolan, como Kenneth Branagh e Gary Oldman estão no elenco, com um adendo de luxo: Robert Downey Jr. (o Homem de Ferro) no papel do Secretário de Comércio dos EUA Lewis Strauss (1896-1974). Como "Interestelar", "Oppenheimer" será uma superprodução sobre a dimensão humanista da ciência, que, mal utilizada, pode gerar tragédias. É o que ele retrata ainda em "Tenet" (2020), que está na HBO Max, abordando uma fonte de radiação capaz de quebrar as dobras do Tempo.
Unindo a cultura pop ao saber erudito, num cinema dinâmico, Nolan se firma, filme a filme, no posto de um criador de espetáculos.