Por Rodrigo Fonseca
Especial para o Correio da Manhã
"Meu Malvado Favorito" (2010) deu a história da animação um presente, ou melhor, vários: os seres amarelinhos que agem de maneira atrapalhada, funcionando como inteligência coletiva, em adoração a um ser de más intenções - os Minions. A popularidade deles foi tanta que essas figuras se tornaram metáforas para o gado que pasta na mediocridade de projetos populistas, num acirramento de fronteiras políticas.
Os minions do mundo real, de um Brasil real, com letra minúscula, não são engraçados como os da produção do estúdio Illumination, apoiaram uma grife genocida (talvez por não entender o que a palavra "genocida" significa) e separaram nosso país na polarização mais violenta que já vivemos. É dessa violência, e da tentativa de freá-la de vez, que nasceu o arrebatador "Perlimps".
Sua narrativa hipnótica atravessa gerações na plateia: funciona como aventura para crianças de dente de leite e serve como alegoria de uma caverna assombrosa (onde nossa nação ficou aprisionada desde o Golpe de 2016) para bocas banguelas. Os dois lados - quem é jovem ainda e amanhã velho será; e quem já se sente em tempo de madureza - tem o que aprender com o novo filme do paulista Alê Abreu, diretor de "O Menino e o Mundo" (2013), indicado ao Oscar de Melhor Longa Animado.
Seus diálogos - tipo "No Vale Encantado, um pingo de segundo vale por uma tonelada de séculos" - são mel pra colmeia dos nossos tímpanos. Sua direção de arte é um primor, numa calorosa utilização de cores. Seu existencialismo é dos mais agudos, representado, sobretudo, na figura do João-de-Barro, ave que fala com a sabedoria de Stênio Garcia, titã de nossas telas.
Exibido pela primeira vez no Festival de Annecy, na França, o longa de Alê abre sua narrativa com um fluxo de luzes, apoiado na engenharia sonora do coletivo o Grivo e na música de André Hosoi. A partir dessa sinestesia, somos apresentados aos protagonistas, Claé e Bruó, duas crianças com feições de bichos - encarnadas nas vozes de Giulia Benite, a Mônica dos filmes "Lições" e "Laços", e de Lorenzo Tarantelli. Um deles é um Lobo do Sol e o outro é um Urso da Lua. São de "facções" opostas, mas têm a mesma missão: achar os Perlipms, um tipo de plâncton de luz capaz de deter os Gigantes, forças opressoras que controlam o mundo.
Em sua andança, eles encontram um abrigo no abraço do João-de-Barro, que outrora foi um dos Gigantes, mas optou por se humanizar. Seu bico pia alumbramentos. Alumbrados, Lobo e Urso aprendem: "Os Gigantes precisam da guerra pois só assim eles ficam mais gigantes". Se a gente aprender com eles, os minions ficam no canto deles, e não voltam.