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Presidente do júri de Cannes, Vincent Lindon relembra gafe com Steven Spielberg

Por: Leonardo Sanchez

Foi um tanto em cima da hora que o Festival de Cannes divulgou o júri deste ano, o seleto grupo de pessoas que decide para quem vai a Palma de Ouro. Quando finalmente veio o anúncio, especulações das mais variadas já haviam tomado conta dele.

A causa da maior delas estava lá, mas não na presidência, como muitos imaginaram –Asghar Farhadi, vencedor do grande prêmio, do prêmio do júri e de melhor roteiro em edições passadas, acusado de plágio em sua terra natal e portanto envolto em controvérsia nos últimos meses.

Parte do júri com outros sete nomes da indústria, ele acabou ficando abaixo de Vincent Lindon, ator francês escolhido como presidente. Foi num luxuoso quarto de hotel, com vista para o porto de Cannes e seus iates, que ele recebeu um grupo de jornalistas para uma conversa na véspera do início do festival, nesta segunda-feira.

De paletó preto, deslocado do clima primaveril da Riviera francesa, mas escondendo uma camisa branca com as mangas dobradas por baixo, ele desviou das perguntas sobre o atraso.

Disse que, para isso, era preciso falar com Thierry Frémaux, diretor que decide o júri. Cerca de uma hora depois, o chefão tampouco abordou o assunto na tradicional entrevista coletiva do evento que comandou.

"Eu posso imaginar o porquê, mas não dizer por quê. A primeira coisa é que há a Covid. Outra, é que hoje em dia se gravam muitas séries e, com isso, muitos atores que foram convidados estavam ocupados", afirma Lindon, desviando da polêmica. "Eu tento responder todas as perguntas que me fazem, mas para essa eu não tenho a resposta."

Protagonista masculino da Palma de Ouro do ano passado, o "body horror" "Titane", Lindon já venceu ele próprio o prêmio de atuação de Cannes, por "O Valor de um Homem", e diz ser bizarro estar na mesma sala em que decidiram dar o prêmio a ele há sete anos. A responsabilidade é grande, até porque, sabe bem, a Palma de Ouro que entregará é como um passe para que o cineasta premiado encontre trabalho pelo resto da vida.

Ele comanda um júri que reúne, além de Farhadi, o cineasta americano Jeff Nichols, a atriz e diretora britânica Rebecca Hall, a atriz indiana Deepika Padukone, a atriz sueca Noomi Rapace, a atriz e diretora italiana Jasmine Trinca, o diretor francês Ladj Ly e o diretor norueguês Joachim Trier.

Conhecido pela predileção por papéis mais políticos, Lindon diz que causas sociais ou qualquer tema urgente, como a Guerra da Ucrânia, não devem atropelar a escolha do melhor longa da competição, que deve simplesmente ser o melhor.

"Há duas maneiras de ver um filme. Na primeira, o filme vai para o cérebro e depois para o coração. Na segunda, vai para o coração e escala para o cérebro. Minha predileção é por essa última -sem pensar se é político, correto, temporal. Eu tenho que refletir se sou tocado por aquilo ou não."

Também não há espaço para bagagem, já que, na escolha, todos os diretores partirão do zero, sejam eles seus compatriotas e conhecidos, como Claire Denis, ou os novatos. Aliás, não deixa de ser curioso que um dos filmes mais aguardados do ano seja "Crimes of the Future", de David Cronenberg, mestre do "body horror" e inspiração confessa da diretora de "Titane", Julia Ducournau.

Mas Lindon não pode mencionar um filme ou outro em suas conversas com a imprensa. Pegaria mal, diz ele, e subverteria a neutralidade necessária para que o festival cumpra sua função –"nós podemos ver o filme de uma pessoa nova e estarmos diante de uma obra-prima, e é exatamente disso que eu gosto nessa função".

O ator diz não estar completamente familiarizado com o estado do cinema brasileiro, que este ano não emplacou nenhum filme em Cannes, sob o governo Bolsonaro, mas deixa claro que, pelo que sabe, não se surpreenderia se dissessem que a gestão da cultura no país vai mal.

"As pessoas que querem nos governar normalmente veem uma vantagem em reprimir a cultura, porque dessa forma eles lidam com uma população perdida. Se as pessoas não têm cultura, os governantes podem fazer o que bem entenderem", diz. "A cultura é muito importante, mas com frequência, em muitos países, as pessoas não pensam assim. Sem cultura nós não vamos a lugar nenhum."

Prestes a iniciar uma maratona complexa pelos filmes da competição, Lindon se admira por estar no que acredita ser o ponto mais alto de sua carreira. Quem diria que o garoto de 20 e poucos anos que, em 1987, esteve em seu primeiro Festival de Cannes, ligando animado para a mãe por estar num hotel em frente ao Palácio de Festivais, agora decidiria quem vai levar a Palma de Ouro.

Ao pinçar lembranças daquela edição de debutante, rememora um fato divertido. Nervoso por estar sentado em meio a tantas celebridades num jantar de gala, ele negou uma foto para uma mulher que dizia querer mostrar seu rosto ao marido. Ela insistia e ele prometeu que depois tiraria a foto, porque tinha que voltar para a mesa onde conversava com Peter Coyote.

Quando retornou, Coyote o chamou de sortudo. "Por quê?", perguntou. "Porque aquela era a mulher do Steven Spielberg!" Em desespero, ele procurou, sem sucesso, Amy Irving pelo resto da noite. "Eu voltei para o quarto naquele dia e fiquei puto. E foi essa a minha primeira vez em Cannes."

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