Vila Isabel sonha com a África de Heitor dos Prazeres para o Carnaval 2026
Escola apresenta enredo para o desfile do próximo ano que homenageia o multiartista criador do conceito "Pequena África" para a região da Praça Onze
A Unidos de Vila Isabel definiu o caminho que trilhará rumo ao Carnaval de 2026 com um enredo que mergulha nas raízes afro-brasileiras do samba carioca. Na noite de segunda-feira, a quadra da agremiação de Noel Rosa recebeu compositores, dirigentes e membros da comunidade para conhecer "Macumbembê, Samborembá: Sonhei que um Sambista Sonhou a África", narrativa que prestará homenagem ao multiartista Heitor dos Prazeres através de uma perspectiva onírica e poética.
A escolha do homenageado revela a intenção da escola em revisitar as origens do samba urbano carioca. Heitor dos Prazeres, figura emblemática da cultura popular brasileira da primeira metade do século XX, foi quem cunhou as expressões "Pequena África" e "África em miniatura" para descrever a efervescente região da antiga Praça Onze, berço de escolas de samba e ponto de encontro da comunidade negra no centro do Rio. Pintor, compositor e sambista, ele transitava entre as artes visuais e musicais com a mesma desenvoltura, documentando em suas telas a modernidade negra que emergia na capital federal.
Os carnavalescos Gabriel Haddad e Leonardo Bora, responsáveis pela concepção do desfile, apostam na força simbólica do sonho como fio condutor da narrativa. Para Haddad, a natureza onírica do enredo exige um samba-enredo que equilibre nostalgia e combatividade, características que marcaram os grandes sucessos da Vila Isabel. A dupla de carnavalescos busca traduzir para a avenida as mesmas qualidades que distinguiam as pinturas de Heitor: clareza, dinamismo e vitalidade na representação das transformações urbanas e culturais do Rio de Janeiro.
O pesquisador Vinicius Natal, que participa do desenvolvimento conceitual do enredo, contextualiza a importância da homenagem ao destacar que Heitor dos Prazeres vivenciou pessoalmente a diversidade cultural africana durante o Primeiro Festival Mundial de Artes Negras, realizado em Dakar no último ano de sua vida. Essa experiência ampliou sua visão sobre as múltiplas Áfricas que habitavam o imaginário da diáspora brasileira, consolidando sua percepção de uma África festiva e plural recriada nos subúrbios cariocas.
A Vila Isabel inova também no processo de seleção do samba-enredo para 2026. Pela primeira vez na história da escola, a competição está aberta a todas as parcerias, eliminando a obrigatoriedade de participação de integrantes da ala de compositores. A medida democratiza o concurso e pode atrair novos talentos para a disputa. As inscrições são gratuitas, com parcerias limitadas a oito componentes, e os compositores têm até setembro para desenvolver suas propostas musicais.
A escolha do samba-enredo acontecerá em 12 de setembro, na própria quadra da escola, em evento que promete reunir a comunidade vilaisabelense em torno da definição do hino que embalará o desfile de 2026. A agremiação ocupará a segunda posição na ordem de desfiles da terça-feira de Carnaval, posição que historicamente oferece boa visibilidade na transmissão televisiva e permite que a escola se apresente com a arquibancada ainda aquecida pelo primeiro desfile da noite.
A homenagem a Heitor dos Prazeres insere-se numa tradição da Vila Isabel de valorizar figuras fundamentais da cultura brasileira, seguindo a linha de enredos que já celebraram personalidades como Noel Rosa, Martinho da Vila e outros ícones da música popular. O desafio agora será transformar a complexidade artística e histórica do homenageado numa narrativa visualmente impactante e musicalmente envolvente, capaz de emocionar o público e conquistar o júri especializado.