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Um outro lugar para a ancestralidade

Quintal da Vó Herezinda | Foto: Divulgação

No contexto colonial e escravocrata brasileiro, fotografias frequentemente retratavam pessoas negras como objetos, apresentando-os como mercadorias ou curiosidades exóticas aos olhos europeus, os rotulando como 'Tipos Negros'. Ressignificar essa história é a proposta da exposição "Memória e Herança: Álbum de Família", que apresenta uma releitura a partir das fotografias de pessoas negras escravizadas do século XIX.

As montagens insere esses personagens em outros contextos, possibilitando uma nova perspectiva a esses registros, permitindo uma conexão profunda com trajetórias outrora reduzidas e esquecidas, sendo assim, reafirma a esses indivíduos o direito ao cotidiano, ao afeto e à ancestralidade.

Composta por 11 obras que utilizam a técnica de colagem digital, a exposição estará na Galeria 3 da Caixa Cultural no Rio de Janeiro, iniciando nesta terça-feira (17) e se estendendo até 10 de dezembro.

Rynnard, idealizador da exposição, utiliza a colagem digital para ressignificar esses registros. "Ao inserir tais retratos em um universo de afeto como a família, o quintal, a varanda, eu recriei essas imagens com direito a algo tão básico quanto o cotidiano. Quero poder confortar de alguma forma aqueles que se sentem destituídos de memória familiar e ancestral", enfatiza.

As fotopinturas do nordeste brasileiro, técnica mista de ampliação e pintura que ganhou notoriedade no Brasil após os anos 40, é um pilar fundamental no entendimento da proposta de ressignificação de Rynnard. "Estas obras proporcionavam uma utopia particular de cada retratado. Era comum pintar pessoas já falecidas ao lado de vivas, homens em ternos que nunca usaram ou adornando os retratados com joias e maquiagem. As fotopinturas, esse Photoshop do nordeste brasileiro, tinham o poder de ressignificar a própria existência, era um jogo de construção do 'eu' para o outro. Então eu percebi que através dessa técnica eu poderia propor uma nova perspectiva para essas imagens", destaca.

A história e a identidade de um povo são profundamente entrelaçadas com sua capacidade de se lembrar e se conectar com suas raízes. No Brasil, contudo, muitos enfrentam uma lacuna nessa conexão. "Não temos acesso à memória de nossos ancestrais. Nesse sentido, os registros de retratos 'Tipos Negros' capturam os anônimos de um momento crucial em nossa história. Portanto, agora esses rostos podem representar a nossa ancestralidade, permitindo que o público abrace as obras desta exposição como lembranças pessoais e coletivas", ressalta.

Através da colagem digital, Rynnard encontrou uma forma de tentar desvincular essas fotografias do contexto escravista da sociedade colonial. "A colagem digital ganhou espaço com a crescente democratização do acesso à internet e a evolução tecnológica dos computadores. Essa técnica, uma espécie de caldeirão digital, tornou-se acessível para muitos, especialmente para os indivíduos de comunidades periféricas. Artistas passaram a ter a oportunidade de reimaginar e revitalizar imagens, proporcionando novas perspectivas", destaca.

SERVIÇO

MEMÓRIA E HERANÇA: ÁLBUM DE FAMÍLIA

Caixa Cultural Rio - Galeria 3 (Rua do Passeio, 38 - Centro)

De 17/10 a 10/12, de terça a sábado (10h às 20h) e domingos e feriados (11h às 18h) | Entrada franca